© DA.
811
Sábado,
30 de Outubro de 2021
Finalmente, uma amostra invernosa: chuva & vento com alguma força. De noite, a movediça intempérie cantou grosso. Por algumas horas, deu para esquecer a torreira calcinante de todo o resto do ano. Para mim, é oásis. Ontem, tendo saído um pouco pela finimanhã, pude marchar airosamente. Não escrevinhei. Andei sem precisar de linhas no papel. Coisas pretéritas, que preteritamente tinham toda a importância do mundo, passaram-me pela mente como passaram no Tempo: sem mundo & sem importância.
Sob o ingente céu mercurial, munido de guarda-chuva (que não cheguei a abrir), andei ainda alguns quilómetros. Vi gente almoçando, em salas comezinhas, comer de cozinhas. Tomei um café alto em zona de vocação transitária. Vi uma rapariga ou Paula ou Anabela, não pude certificar-me nem, por pudor, quis perguntar. Vi também dois irmãos manhosos & desbocados que nunca foram credores de minha particular simpatia. Sob o arvoredo antigo, a antiga paragem-bus usada por um José Maria Queimado Vivas, músico que desde 1991 dorme sem aurora no campo-santo da Conchada.
Uma coisa faltou: que estivesse mais frio ardendo. Apesar do cenário invernal, a temperatura graduava-se acima dos vinte centígrados, upa upa. O blusão chegou a abafar-me um bocadito. Pertíssimo do sítio onde (a um 31 de Março pela noite) mataram a tiro o porteiro Abel, descasaquei-me por cinco minutos, oferecendo camisa & torso à aragem oblíqua das treze horas. Foi agradável, senhores. Foi aprazível, meninas.
Hoje, a diferença esteve na quilometragem feita: muitíssimo inferior à praticada ontem. Depressa me devolvi a recato doméstico. Diverti-me um pouco (mas muito pouco) com o frenesi de vespas & aranhiços íncolas a propósito do (des)Orçamento, das eleições devidas à iminente queda do Governo-Costa, da palhaçada supostamente salvífica que vai pelos antros do PPD-PSD, da farsa autofágica & bufa que vai pelos urinóis do CDS-PP, coisas assim. Saciado de batatal cozido em branco com peixe idem, bocejei cavernosamente antes de me deixar aniquilar por o delíquio da sesta. Deve ter sido boa escolha, pois que despertei sem remorsos nem argoladas existenciais de tal tipo.
Foi nessa espécie de irrelevante torpor que me abandonei sem luta ao que restava de sábado por respirar. Guardei em seu sítio meia-dúzia de papéis sem tipografia por destino. Uma chávena fervente de cevada acompanhou-me ao cubículo da livralhada. Ali (que aqui é), folheei testemunhos do século passado: uma cidade com rio, um epistolário servindo de prova de dolo em tribunal, um punhal agora relíquia de museu, nomes alfinetados ao pó como borboletas improváveis, décadas sem outro retorno que o da compreensão capaz de interrogar. Tais coisas demoram-se na ribalta da hora bem aproveitada.
Sexta & sábado goraram-se. Às duas da manhã de domingo, volta a ser uma hora – por ordem de quem manda nisto dos relógios dos outros.
Sem comentários:
Enviar um comentário