Cândida Leite
(Pedrulha do Campo, 1903-1994)
Faria
hoje anos a senhora Cândida Leite.
Falta-me
uma mão de anos para ser da idade
que
era a dela quando nasci à luz d’azeite
da
filha dela, mãe minha, nesta cidade.
Faria
mas não faz, deixá-la dormir.
Defuntos
somos todos garantidos à nascença.
Ser
neto é-me trabalho que descompensa
a
tença que é nascer sem ser p’ra rir.
Recordo-a
de luto perpétuo pelo marido,
feroz
cão-de-quinta p’ra consumição da casa.
Avó-ave
de perene quebrada asa,
veio
por esquecimento & partiu por o olvido.
Nonagenária,
ainda assim, quando se foi.
Eu
gostava do riso dela, de velha infanta.
Nada
enfim lhe custa já, já nada lhe dói.
Estive
há tempo junto à sua campa:
águia
perfilada me semelhou, não altaneira
porém,
antes humílima, não de rapina.
Difícil
não ver nela a mesma menina
que
filha dela foi - & minha Mãe inteira.
Lá
dormem ambas em próximos chãos.
Os
maridos também – como se irmãos.
Um-de-Julho,
cândida Cândida, parabéns.
A
sós & em sossego, nem ossos nem cães.
Nós
por aqui, todos bem.
(Ou
não – mas não faz mal.
Cada
um só consigo é alguém.
Quarta-feira,
1 de Julho; Coimbra, Portugal.)
Sem comentários:
Enviar um comentário