41.
DE PÓVOA SEM GENTE
Coimbra, sábado, 2 de
Maio de 2020
I
Foi segunda-feira o dia 2 de Maio
de 1983. Dei flores a uma rapariga na Avenida Bissaya Barreto. Julgo que era
perto a vivenda do clã Moura Relvas. Não comprei as flores, colhi-as de um
quintal então por ali à mão. No dia 11 seguinte (quarta-feira, portanto),
voltei a fazê-lo – na mesma avenida & do mesmo quintal. Isto foi no tempo
em que envelhecer nove dias ainda não era um fósforo.
II
Tempo houve em que nove dias eram
uma eternidade portátil. Eram, eram – tanto, que foram: e a tempo de eu ontem
já saber que amanhã era o hoje de voltarem-me eles, embora não a eles eu.
III
Adiante. Século XXI. Sete &
picos da manhã saturnina. Há luz com fartura – não a que cega no excesso do
Estio mas a suficiente, a propícia neste Maio sem escândalo. Tirando a
cafeteira eléctrica, não liguei máquinas. Isto é tudo à mão, como no onanismo
& na tropa. A fio de não-sei-quê-nem-porquê, estou na cozinha a ver se me
lembro de (in)certa passagem em um livro de Peter Handke. Cereja por cereja,
penso em outro livro, de Luís Filipe Costa este. Andam ambos pelos íntimos
algures desta casa. Não vou à procura deles, tenho este por ir fazendo. Existe
ali em baixo, no sopé deste promontório mesmo, uma casa cor-de-rosa um seu quê
misteriosa. É só isto: nunca lhe topei inquilino. A construção não parece
abandonada, mas não se lhe sente gente vivente. Tem antena parabólica. O
telhado não é desdentado. As janelas não parecem perras. A porta não ameaça
fantasmas. Todavia, dia ainda não veio que eu nela, ou cerca dela, gente visse.
Não é apartamento, é vivenda singular. Só arvoredo & rasteira vegetação há
por vizinhança. Como não é na Avenida Bissaya Barreto, e apesar de ser hoje 2
de Maio, não me vou ao quintal dela roubar flores. Também, para que nenhuma
rapariga de século XX nenhum?
IV
Sem novidade especiosa, a manhã já
lá vai.
Quem pode & tem, almoça. Quem
não, vá-lá-com-paciência-santinho-de-Deus.
Espécie esquisita somos –
inventora de remédios & irremediável à vez.
Política, aparato, 25.190
infectados do Covid-19, 1023 óbitos, Espanha & Itália (des)contam bem mais
vidas no fio-da-navalha, segunda-feira reabrem os cabeleireiros, viva, viva.
V
(“Que ser rapaz é o melhor
ofício.” – António Osório)
Manso & bravio
fui eu também
dentre o rapazio alfeirio,
era viva a minha Mãe.
VI
Não a morte própria mas a alheia
sim
Essa sim assassina esmaga os
sentidos
Coisa esta – sentido – de que
carece a vida.
Útil & fútil acontece
casarem-se
Paleiforme cabelo ao sol emula
’ind’assim não é amor o só-desejo.
(Do que falo, ex-falo, sei.)
Antes visitara alheia póvoa
Buscando o rosto (do) antecessor
E pós o não esquecera, repetindo-o
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