36.
ESTE LÁPIS SENTADO
EM TAPETE
Coimbra, sábado
& domingo, 25 & 26 de Abril de 2020
Casario que foi muito branco,
amarelou-o a duração-que-não-dura. Zonas de alto arvoredo, também o vale sangrado
a meio por ribeiro sempre frio. Estrangeiros (dois casais) habitam a
casa-da-loja dos Conceições. São reformados discretos, nem se exibem nem se
ocultam. Já aprenderam Português, entre si nunca falam em a Língua deles quando
alguém mais está consigo.
Recordo alguns papéis conseguidos
à luz de outro dia menos este. Recordo também (ainda, sempre) que os Cravos
faziam 20-anos-20 no dia em que sepultado foi o senhor meu Pai. Essa
coincidência conseguiu, então, em pleno desespero agravado pela resignação,
fazer-me sorrir por dentro. Só por dentro. Os Cravos são ainda a minha Rosa.
Posso firmá-lo assim, mesmo que pareça (e seja) doidice poética. É 25 de Abril.
Este é o Ano VinteVinte. Não interessa. Pode ser o Ano Qualquer. É a Rosa.
Tanto se avizinhou a noite, que
vizinha não é já – mas inquilina sim ora da minha casa. Não é preciso nem bem-
nem malvindá-la. Ela é monarca – e absolutista. Reina na diferente parecença
das coisas ditas inanimadas: esta mesa-de-cabeceira; aquela cadeira sobre que
estirei as calças (que ora semelham pernas inválidas); na taça (a minha Mãe
chamar-lhe-ia caco) do Gato: na pilha de livros atendendo releitura.
Chegam-me referências a uma
criança cujo pai, tendo perdido as pernas num acidente ferroviário, vivia de
vender lápis sentado num tapete na rua. Embebedava-se sempre que podia. A mãe
desse rapaz prostituía-se em casa à frente dele e dos irmãos. Era num casinhoto
de madeira degradado como árvore nenhuma pode ser. A mãe também bebia até a
agonia. Já crescido, tornou-se contador de histórias. Como não dominava a arte
da escrita, dizia-as a escrivães. Era, pois, um criador de oratura. E era
Henrique Lucas. Ou Ch. Manson.
Sem comentários:
Enviar um comentário