38.
GUARIDA POR (H)ORA
Coimbra, terça-feira,
28 de Abril de 2020 (I & II) e quarta-feira (III-XI)
I
A
verdade fulgura, que à luz equivale.
Vale
ela ouro puro, essa é a verdade.
Não
muita hei encontrado na minha vida,
mas
à que encontrei eu sempre dei guarida.
II
Fiz hoje algumas arrumações, assim
externas como internas foram elas. Nutri-me devagar, sem pressa andei pelo
claustro confinado desta casa. Notícias, mal as vi, nenhumas tive, nenhumas
dei. Umas pouquíssimas linhas me quiseram tinta & papel, não me parecendo
grave o dia – nem a noite, que, entretanto desabada, prosaica se encerra.
III
O vocábulo francês rêverie
não é de fácil trasladação, por assim dizer, para outros idiomas. Para o nosso,
sugiro sonhambulação. Sim, joga com sonambulismo – mas em, por
assim dizer, modo-acordado: ou mot-accordé. Enfim, ainsi
soit-il.
IV
Em outro, que não este, quarto,
outro, que não eu, inquilino. Há dossel, crucifixo & relógio na parede
apainelada a folha de castanho. Cómoda pequena. Escrivaninha com tampo de correr,
não-grande também. Uma cadeira, um bengaleiro, uma mesinha-de-cabeceira. Sem
prateleira, os (poucos) livros ladeiam, no tampo da cómoda, o retrato sépia
emoldurado a prata de uma jovem adulta: a mãe do inquilino, solteira ainda
naquela composição de estúdio com enquadramento de fundo belle-époque.
Deixemo-lo(s) a sós por (h)ora.
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