Heloísa Benilde Alarcão d’Andrada
– 82 anos, 22 milhões guardadinhos na Suíça, longe dos netos toxicoisos.
Deixá-la sorrir.
Neto de açoreanos (gosto mais de
açoreano do que de açoriano; o mesmo quanto a caboverdeano),
Joe Moraes é camionista endurecido. Faz muito a linha Eugene-Corvallis-Salem-Ellensburg-Olympia-Burlen-Lake
Sammamish-Spokane. Portugal em & para nada lhe interessa. Gosta de pesca
fluvial, o Columbia faz-lhe bem. Deixá-lo rodar.
Odília, Odília só, completou 48
anos em 2008. Empregada há dezassete no Café Avenida-Parque. Leal,
não-faladeira, sem homem na história – nem mulher. Cria duas afilhadas
pobrezinhas que mandou vir do torrão-natal (distrito de Viseu). Tem um sinal
roxo sobre a sobrancelha-esquerda. Chamam-lhe Três-Olhos por causa
disso. Ela não se rala. Tem dinheiro no banco, a prazo o tem, mesmo sendo os
juros uma merda. Tem folgas às quintas, que goza só ela sabe como, onde – e
porquê.
Belarmino, Belarmino só, gosta de
líderes fortes – gajo que se costuma apodar de carismáticos. Nixon,
Cavaco, De Gaulle, Napoleão, Ramsés II – por exemplo. Churchill, menos: porque
bebia & fumava de mais. São gostos, inclinações, tendências. Na Faculdade
de Letras da Universidade de Coimbra, o Professor Doutor Júlio da Costa Pimpão
não suportava que chamassem “maneirista” ao Camões – para Pimpão, era o
mesmo que amaneirado, amaricado portanto, panilas, rôto,
adelaide-das-ínsuas. Belarmino teria gostado de Costa Pimpão – era um líder
forte. De nariz, perdão, cariz mático.
Já pratiquei a aventura-mor do
dia: fui ao lixo. Saí às 22h32m. Levei um cigarro, que fumei devagar no deserto
da rua. Em marquise próxima, um vizinho fumava também. Dissemo-nos as boas-noites.
Eu ia de luvas descartáveis mas sem máscara, má-cara apenas. Não sei a cor dos
olhos desse fumador vizinho. Noite, gatos pardos etc. regressei à
solidão escritória sem esforço nem pressa nem esperança nem desespero –
regressei, é tudo.
No exacto dia em que a mãe de Raul
A.S.L. fez 50 anos, uma rapariga foi assassinada do outro lado do mar. Chamava-se,
a pobre, Melissa Smith, e as datas dela são 4/7/1957-27/10/1974. Foi o próprio
Raul a apontar-me a efeméride, que, ele o disse, o perturbou muito. A mãe de
Raul era Maria Luiza, morreu de causas naturais em idade pós-madura.
É preciso imaginar mais um pouco. A
suposta realidade não alimenta o corpo todo, há sempre uma parte que precisa de
nutrir-se alhures – um pouco à maneira de quem vai, de vez em quando, jantar
fora. Imaginar no sentido fílmico: imagens-em-moção. O veado na neve, o
vapor da respiração materializando-se nuvem privada dele. Privada por
ser só dele – e privada dele por sair dele sem retorno a ele possível. As
árvores perto da imagem do veado-respiratório. A paz resultante dessa imagem.
Um carro amarelo, novo, ao sol
forte do Sul. Recordo a praça térrea em que o estacionaram. Sei que era Agosto,
um desses (muitos, já demasiados) meses felizes em que a luz não doía o dia,
antes soía a de sempre para sempre. Não era. Só foi. Duvido de que ainda ande.
(O carro.)
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