34.
APORIA, MARIA &
C.ª
Coimbra, terça-feira,
21 de Abril de 2020
I
Há
quem conte mais mortos do que eu.
Há
quem os conte até entre alguns ainda vivos.
Tem
& aplica cada um sua matemática.
É-se
monográfico de sua mesma monotonia.
A
minha resulta facunda, espero que não imunda.
É
Via – mas não Crucis nem Sacra.
Passa,
por aporia, por alegado trauma informático.
Aporia
– e às vezes agonia: mas menos, mas menos.
A
teoria do corpo é aguentar-me nos anos ’inda.
Desconheço
se tal teoria é linda.
II
Fala-se
ora mais que de costume acerca de Maio.
É
o meu mês – embora o digam de Maria.
Abril
segue viral-carnavalesco, histriónico, mortífero.
Os
funerais são mínimos acompanhamentos.
Incinera-se,
crema-se, acendra-se cinereamente.
Nenhum
deus, cinocefálico sequer, cuida destes egiptos.
Muitos
pacientes impacientes, inúmeros, aflitos.
Mas
– e Maio? O Maio antigamente português, digo.
Lembro-me
de corrê-lo, sê-lo aéreo terrenamente
–
mas eu seria então outra gente.
III
Na
minha agnóstica casa-infante, as divindades
eram
a Papeira, a Rubéola, o Sarampo: minha Mãe,
criança
ainda então, chegou a venerar o Tifo.
Não
havia como ela, digo, a Santa Varicela.
Hoje,
são informáticas & asiáticas as estirpes virais.
O
próprio vento é mais lamento nos canaviais.
Busco
outras adorações: Cesário, Pessanha, Osório
&,
claro, o r-existente Camões.
Vale-me
que não vacilo nem bacilo, sequer tremo:
envelheço
como deve ser, só à alheia morte temo.
IV
Os
homens.
Todos
os outros homens.
Erguem
catedrais com a mesma convicção
(com
a mesma facilidade)
com
que destroem famílias.
As
mulheres.
Todas
elas, uma só.
Ferradas
aos teares como penhascos à orla do mar.
Urdem
por-si-consigo-em-si como dizem que Cristo urdia.
Mas
não sei se com a tal convicção, a tal facilidade, cada Maria.
É
precário falar de fé quando é
de
humanidade que se fala
e
o cabrão do teurgo não se cala.
V
Mediana
multidão em cais de ferrovia.
Era
já plena a força alta do meio-dia.
Mais
as caras do que os rostos.
Mais
os focinhos do que as caras.
Um
homem de braço ligado ao peito.
Um
vestido verde-musgo com mulher dentro.
No
átrio, floresce o quiosque-tabacaria.
Nem
tempo havia para melancolia.
À
saída, pela dextra, a praça-táxi.
À
sinistra, o Café Metrópole, com mulheres-de-aluguer.
Ninguém
pensa, sequer espera, novidade.
(Nem
sempre faz doer, a Cidade.)
Era
meio-dia, fez-se meia-noite, outro ano depressa,
que
se faz tarde.
VI
Paris,
1940-44. Duradouro Inverno-Bissexto. Penso por vezes nessa vastíssima
Noite-Una. Como era o sono de quem povoava um sótão. A que sabia a
batata-cozida. O cigarro sem-filtro. As fardas verdes. A impugnação. Os
sagrados-corações, os mármores, as pombas, as bicicletas, mulheres como cá as
do Café Metrópole, o sol que se não punha & a amante que se não vinha.
Ville-Lumière-não-já-a-dos-Irmãos-Lumière-mas-a-dos-Parrains-de-L’Ombre. O
sapo-Sartre, nem calcanhar sequer do invencível-Camus. Paris, 2020? Nunca ouvi
falar. Nem dizer nada de jeito.
VII
Vielas
do bairro dito Whitechapel, London, 1888. As prostitutas esfrangalhadas não podem
saber que, em Lisboa, saem à luz Os Maias & a pessoa de Fernando
Pessoa. E no entanto os impérios vão de sol a sol como no campo os camponeses
& no mar os marinheiros.
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