19/05/2020

VinteVinte - 33 (I)




33.

TRÊS OPÚSCULOS

PARA UMA R-EXISTÊNCIA

Coimbra, (também) segunda-feira, 20 de Abril de 2020



I

Resistem por enquanto os fólios. Não as pessoas.
Joga a Natura ao divertimento perene-caduco.
Ajuda & Necessidades são nomes palacianos:
também tal onomástica é divertida, ó Zé.
De 1826 a 1836, da Carta ao Setembrismo,
voltas & reviravoltas, alhos & reviralhos.
O grave Herculano. O taful Garrett.
Eça, por nascer. Camilo, infante.
Bons tempos para a meia-dúzia do costume.
Piolheira para o resto da maralha.
Tragicómica nação bonita, a minha às vezes Vossa.
De lareira acesa à sua dextra, Joel lê um papel.
Coimbra, Ano-VinteVinte, tempo baço, invernosa primavera.
Luz pergaminhada, por assim dizer.
O Costa Cabral foi o Péron cá da parvónia.
As nossas Evitas eram espanholas em bacalhau-encebolado.
De 1842 a 1846, vicioso consulado, pernicioso, desconsolado.
Resistem por enquanto algumas dignidades.
São cerce esquecidas, faz-se mato o anonimato.
R-existir faz rir o Tempo, o Granito, a Água, a Caca.
Arrota, que te levo a Aljubarrota.
Trabalha, que te porto à Batalha.
Calado, que te xingo no Chiado.
Que saber de um António Luís Seabra?
De um Oliveira Marreca?
De um José Estêvão, o crisólogo tão diserto?
A mim, que vale-de-lobos-rafeiros te espera, Joel?
Rendilhadas pedras de pulverizados mestres.
Afonso Domingues, de sideral cinzel.
Nem o Saldanha te apanha.
Cristo sobrevoando o espadeirame em Ourique?
Cuidado c’a padralhada & c’a’scumalha chique!
Cimento & esquecimento.
A menina Man’ela vem hoje de blus’amarela.
Menos duram os opúsculos do que os crepúsculos.
E bem menos que aqueles & estes os juvenis ósculos.
Anarquia, servidão, tirania, paixão, respeito, agrura.
Em 1866, Alexandre casa-se com Hermínia.
Passados 77 anos, volta Hermínia a casar-se
– mas desta vez com Daniel, que aos 77 morre.
Ainda alguns papéis (s)obram tais efemérides.
Celeiro, adega, horta, fonte & poço.
Pois que finado, não ficado.
Alexandre torna Hermínia viúva em 1877.
Daniel faz-lhe o mesmo em 1994.
Portugal tem grave vocação gato-pingante.
Vamos dando importância a minúcias afinal inócuas.
Somos tributários, bastas vezes ingratos, de formosa gente anterior.
Exemplo: tinha 28 anos de idade, ou nesse ano os completava,
o meu paterAvô, José Abrunheiro, quando mataram o Rei.
Desconheço que terá ele meditado sobre tal sangue.
Já o meu materAvó, Carlos dos Santos, teria uns dois anos
quando James & Nora se amigaram em Dublin
naquele 16 de Junho devindo épico porque-sim, Bloom-sim.
Rostos vivos, restos mortais. E outros liames que tais.
Tudo ardido a napalm. Tudo arde, Conrad.
Arrozais, choupanas, bazares chineses, sabujices corruptoras.
Armazéns devolutos, fábricas aluídas, raridade até de chuvas.
Viena, aí por 1906, ou 1913, ou até 1920, velho Arnold S.
Tanto nada para tudo ser tão pouca coisa.
Brighton Rock, Moimenta da Beira, Cádiz, Deauville.
Rui, Ronaldo, Rolando, Rodolfo & Guedes.
Afonso X, dito O Sábio.
D. Dinis, dito muitas coisas.
Avô & Neto, pó & pó, cinza-por-cinza.
A Lei não falha. A falha é perene. E caduca a gente.
Nascer já é pandemia que chegue.
Aquele azul-de-Delft, bonito.
Aquele Vermeer da luz pela janela, caramba.
Aquele coiso de Boliqueime, fóssil fácil.
Anda mão do Diabo nisto, que nem Deus nem mão nela.
Tanta maralha tristonha por não haver missa plenária.
Alguns livros, uma pouca de pão, espelhos-de-água bonitos.
Yourcenar & Rodoreda.
Ainda não é o fim, ele há tempo. 

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Canzoada Assaltante