27.
TRÊS LUCIFERAÇÕES
Coimbra, domingo
(dito de Páscoa), 12 de Abril de 2020 (I)
Coimbra,
segunda-feira, 13 de Abril de 2020 (II)
Coimbra,
terça-feira, 14 de Abril de 2020 (III)
I
Ainda há, parece, dias que viver.
Cada um que vier, digo. Uma das máquinas da casa, aquela a que copio
manuscritos, dá sinais deletérios. Auto-deletérios, acho. É uma novidade –
negativa, é certo, mas sempre é uma novidade, em meio a esta reclusão forçada por
os tempos (viru)lentos hodiernos. Cada que um que vi(v)er, enfim.
Enfim, ficcionar sem falsear (de
mais). Nem armar-me em paladino-prosélito de uma qualquer pretensa (&
pretensiosa) Verdade. Pode haver fidelidade capaz de papel. Um livro em
prosa anda há muito vencendo presença no que sinto necessário. Leio-o
ainda em transparência. Já é mas ’inda não existe. Ou vice-versa,
revertido o itálico.
Como árvores perenes, nomes &
percursos convidam-me a suas sombras afinal lucíferas.
II
Por cá-pátria & pelo
resto-do-mundo, continua o festim viral. As televisões espremem tal limão,
gulosas, vorazes, glutonas, sensacionalóides. Tragicomédia de um género – o Humano
– que se julgou sobre-natural (assim com hífen para não haver confusão quanto
ao que quero dizer – e digo).
Leio António Osório. Leio Camilo
Pessanha. Leio Cesário Verde. Leio Vitorino Nemésio. De facto, releio. Exumei
os volumes dos ataúdes de papelão em que hibernavam. São ora a minha hora
melhor – de manhã à noite.
III
FAZ HOJE 35 ANOS
QUE ACONTECEU ALGO ESTRANHO NO VELHINHO MUNICIPAL DE COIMBRA, ALI AO CALHABÉ,
NA 24.ª JORNADA: ACADÉMICA 1 - BENFICA 2 (14 DE ABRIL DE 1985)
Faz hoje, 14 de
Abril de 2020, um quarto-de-século + uma década. Chiça!
Enchente no
Municipal para o AAC-SLB da 24.ª jornada do Campeonato Nacional da I Divisão.
Entrei de borla
com o cartão de estudante.
Só arranjei lugar
- onde? Pois foi no marcador manual, sobre que, em domingos normais, um home’zinho
ia pondo, a sós, os cartões numerados com o andamento do resultado. O andaime
era diametralmente oposto à (então única) bancada coberta dos sócios-“doutores”-“sintéticos”,
lá do lado da Solum portanto.
A malta topou o acesso às
alturas e toca toda a trepar para a estrutura. O pior foi quando se
comemorava um dos golos: já não me lembro se o do alto e louro dinamarquês
Manniche (penalty para o 0-1), se o do Ribeiro a empatar para a Académica, se o
do Pietra para a vitória forasteira. (Os guarda-redes eram o Marrafa e o
saudoso Bento.) Com a agitação, tudo aos pulos e aos vivas, e zingas!, aquela
porra descambou na diagonal, escaqueirou-se toda.
Há da partida vídeo-resumo
que não inclúi o desastre.
Ninguém morreu, mas dezenas aleijaram-se. Fui um deles, num pé. Na altura,
jogava à bola nos distritais: mas porra!, foi na I DIVISÃO NACIONAL que me
lesionei! Eh eh. No dia seguinte, fui às Urgências, ainda o Hospital era
o Velho, lá ao pé de El-Rei D. Dinis.
35-anos-35, c’um caraças!
Digam-me que não, que não pode ser. Ou então não digam nada, pronto.
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