30/08/2008

Lugares-comuns para Maria


Crónica nº 66 da série Rosário Breve, in O Ribatejo (www.oribatejo.pt) de 29 de Agosto de 2008

Fotografia: © Sandra Bernardo, Feira de S. Mateus, Viseu, 27 de Agosto de 2008

Até que a vaca tussa, estaremos feitos ao bife: o bacalhau está pela hora da morte e a pobreza já nem postas de pescada arrota. Ser português parece-se cada vez mais com a sopa de cavalo cansado. E dizer mal das coisas redunda mais e mais na marmota de rabo na boca.
Já ninguém se atreve a dizer alto lá com o charuto. Somos (ou não somos) todos umas marias que vão com as outras? E todos pensamos (ou não pensamos) em dar às de vila diogo antes que se faça tarde? Sim. Porque ficar é pintar o sete no diabo a quatro: e o abril de sete quatro é o trinta e um do costume.
Também não lembrava ao diabo ser português toda a vida. A morte faz a colheita, que até o lavar dos cestos é vindima. Já nem quem meus filhos beija minha boca adoça, que a casa não é pia, vai tu com a outra, Maria.
Aqui não há gato: há cão que não ladra e caravana que não passa (da cepa torta). Morta depois de rainha melhor seria que rainha depois de morta: faz Pedro de cepa, faz Inês de torta.
Sigamos porém para bingo, que nada vingo em outro incomum lugar que não o da extrema atenção ao lugar sensível da nossa vida-agora: mesmo sem dinheiro, por que (falta de) razão nos putificamos tanto? Por que somos só isto, estes, esta gente, este País? Oitocentos e cinquenta quilómetros de praia, quadrados na província, oitocentos e sessenta e cinco anos de foral de nacionalidade, fado-futebol-fátima-e-saudade: e somos só isto?
A vaca já não tosse Jorge de Sena. Nem Martim Codax. Nem a provável dignidade de D. Dinis. Mas já tivemos Nuno Bragança, não o da dinastia marialva mas o d’ A Noite e o Riso. E Raul Brandão, que nos legou gebos e sombras e pescadores. E nós já fomos. Não sei bem o quê, mas já fomos.
Se ainda formos alguma coisa, ao menos que vamos a tempo de ver passar a caravana rodeada de cães sem mudez e de vacas sem tosse, Maria lavada em água de malvas.

1 comentário:

Manuel da Mata disse...

Esta crónica é feita dos chichés que fazem a nossa individualidade enquanto povo. Está lá tudo, ainda que não me tenha dado ao cuidado de ver o que falta. O que está, é o retrato fidedigno do que somos.
Esta crónica merecia ser lida pelo país inteiro!

Canzoada Assaltante