24/05/2006

Dez Textos Para que os Leia Sandra Bernardo

(Liguemos, em 91.2 FM, a rádio)


1

Tu queres ser aquele que renasce. Queres ser aquele que vive um pouco mais. Um pouco mais ainda. Tu queres. Tu és.

2

É Maio, mas na casa da montanha ainda a lareira arde. Em Junho, queimarás ainda um punho. No Verão, queimarás a própria mão.

3

Quatro homens batem as cartas na mesa. A carta de Angola colonial para o Amor de Mãe na metrópole. A carta de despedimento da noiva carnal, infiel. A carta de recomendação aos anjos falidos de Deus, Administrador. E o ás de espadas, que nada corta: o trunfo é ouros.

4

Na tua ausência, aumentei a minha presença.
Fui à mercearia, comprei latas e hortaliças.
No terraço, o gato cumpria a Lua.
Deitei-me cedo, já a luz estava apagada de véspera.

5

O mundo é uma bola para jogar ao pontapé. Se sentires alguma pontada nas costas, tens três hipóteses: ou a China, ou a América, ou a memória.

6

Quanta beleza, a dos gelos perpétuos. Quanta formosura, a das neves eternas. E o sol, em cima, derretendo tudo.

7

Uma mulher mansa com um saco cheio de coisas: um pacote de bolachas, uma molhada de agriões, uma fotografia de menina. Dela mesma, quando não ia às compras e tudo era de graça.

8

O dono do carrossel não tem dinheiro para a conta da luz. os cavalinhos de madeira estão parados. Correm em volta as crianças.

9

A montanha é um manequim maior do que a montra. Tem recantos feminis, zonas de sombra erógena. É perigosa e estéril, a montanha: faz filhos, mas come-os.

10

Guardaremos o silêncio num envelope prateado. Uma cinta vermelha há-de atar o envelope. Não vamos metê-lo no correio. Do outro lado, a resposta será calada.




Caramulo, tarde de 23 de Maio de 2006

1 comentário:

Anónimo disse...

"Do outro lado, a resposta será calada". Mesmo que fale, antes sorrisse...
Se te fartares do meu soriso, diz. Apenas, apenas, olha apenas sorrio porque mais, sim, porque mais que fosse nada acrescentaria. A tua escrita é indomável e não precisa de nada mais. Tem todo o "swing"... agora sorri, de novo... Escreve, escreve, sei que nem disso precisas, mas escreve, escreve... e sorri.

Canzoada Assaltante