(Liguemos, em 91.2 FM, a rádio)
1
Tu queres ser aquele que renasce. Queres ser aquele que vive um pouco mais. Um pouco mais ainda. Tu queres. Tu és.
2
É Maio, mas na casa da montanha ainda a lareira arde. Em Junho, queimarás ainda um punho. No Verão, queimarás a própria mão.
3
Quatro homens batem as cartas na mesa. A carta de Angola colonial para o Amor de Mãe na metrópole. A carta de despedimento da noiva carnal, infiel. A carta de recomendação aos anjos falidos de Deus, Administrador. E o ás de espadas, que nada corta: o trunfo é ouros.
4
Na tua ausência, aumentei a minha presença.
Fui à mercearia, comprei latas e hortaliças.
No terraço, o gato cumpria a Lua.
Deitei-me cedo, já a luz estava apagada de véspera.
5
O mundo é uma bola para jogar ao pontapé. Se sentires alguma pontada nas costas, tens três hipóteses: ou a China, ou a América, ou a memória.
6
Quanta beleza, a dos gelos perpétuos. Quanta formosura, a das neves eternas. E o sol, em cima, derretendo tudo.
7
Uma mulher mansa com um saco cheio de coisas: um pacote de bolachas, uma molhada de agriões, uma fotografia de menina. Dela mesma, quando não ia às compras e tudo era de graça.
8
O dono do carrossel não tem dinheiro para a conta da luz. os cavalinhos de madeira estão parados. Correm em volta as crianças.
9
A montanha é um manequim maior do que a montra. Tem recantos feminis, zonas de sombra erógena. É perigosa e estéril, a montanha: faz filhos, mas come-os.
10
Guardaremos o silêncio num envelope prateado. Uma cinta vermelha há-de atar o envelope. Não vamos metê-lo no correio. Do outro lado, a resposta será calada.
Caramulo, tarde de 23 de Maio de 2006
1 comentário:
"Do outro lado, a resposta será calada". Mesmo que fale, antes sorrisse...
Se te fartares do meu soriso, diz. Apenas, apenas, olha apenas sorrio porque mais, sim, porque mais que fosse nada acrescentaria. A tua escrita é indomável e não precisa de nada mais. Tem todo o "swing"... agora sorri, de novo... Escreve, escreve, sei que nem disso precisas, mas escreve, escreve... e sorri.
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