© DA.
“Isto é uma
grande chatice, Maria Alice.”
Trio de
professoras aposentadas em conclave.
É na
esplanada larga que panoramiza o Mondego.
Dez & ¼
da matina de sábado, último dia de Abril.
Falam de uma
quarta que foi a Londres ver a neta.
“Não é disto
que se precisa, Maria Luísa.”
Divertem-se
não-carnavalescamente.
Gozam a
reforma, a sexualidade extint’apaziguada.
“É isto que
procura, ó senhor Ventura?”
Um gato vadio
aceita esmola em formato ração-seca.
E elas falam
das mulheres descalças que vinham ao 4-de-Julho.
Calçavam-se
ao chegar à ponte, prontas para a Rainha Santa.
O Sol abre-se
em rosa omniluminosa.
Comentam que
a tarde será cálida & calorosa.
Passa o
marroquino dos tapetes ombreados.
“Não se
poupe. D.ª Teresa, à certeza dos cuidados.”
****
Grand’enorme
Delfim meu:
Escrevo-te no
mais recente sábado da história da cristandade.
Nada receio,
tudo me parece declinável como os casos sintácticos latinos. Falo-te de declinação
ou – deveras & de facto – de declínio? Sou o teu Hermínio – pelo que
interpretarás a teu bel-prazer, de facto & deveras bem.
Busco
quási nada. Espero tão-só o passamento absoluto. Entrementes, versejo(-te)
lances quotidianos – da quota dos dias. Se é pouco? Pouco é como
todo-o-cuidado.
Durmo
no quarto do meu paterAvô. Acumulo conservas & outros alimentos-secos no
roupeiro. Vou comendo às colheradas lentas. Tenho bebido muita água. Possuo um
quadrilátero de sabão-azul-branco, com que esfrego as minhas anfractuosidades
mais íntimas. não cheiro mal. Não ainda.
Relato-te
quanto ouço: septuagenários falando de um abastado que tem uma quinta “lá
para Penela ou assim”. É como falar da principesca boa-fortuna alheia:
casas-de-bonecas, valiosíssimas no mercado imobiliário, que os chineses
dominam.
Delfim,
meu caríssimo: escuto muito para sofrer pouco. Ou um pouco menos. Há
festival-de-sopas no Terreiro da Erva. Alguma gente fazendo alguma coisa – já
integrei tal clã. Mas ontem não é amanhã.
Fui
ontem a uma entrevista pró-formação-+-emprego. Não fui seleccionado: a idade
(des)conta. Crepusculo-me, por assim dizer.
Mais
coisas? Algumas se rebelam & se revelam:
Os
óculos-fumados à Camilo da recém-parturiente
O
gato vadio que busca humanidade em afinal só-gente
As
professoras aposentadas debicando chá-biscoitos
&
a minha própria memória de tão antigos coitos.
Voeja
a varejeira de volátil volúpia
De
chuva não houve este Inverno cópia
Isto
está por um fio, que cerce se esgarça
Escrevo-te
no sábado – mas chegarei a terça?
Pessoas
sentadas em suas vilas como em bancos de cais
Sabes
de que te falo? De alternativas vi(d)as
Contemplo-as
em meu tempo-vivente, pouco me demoro
Tudo
& todos prévios a campo-santo, abençoado ou não.
Imagino
Ruy Belo em seus dias de Espanha
Suas
manhãs iodadas na Praia da Consolação
Agora
que morreu, ninguém já o apanha
Agora
que lido, sim só, em alguma boa edição.
Revejo-me
lendo Júlio Diniz em vesperais horas
Tremulavam
na ínsua os grilos cantores
Tenho
quinze anos, não estou a desoras
Hoje
sim assim sou, a preto-&-branco sem cores.
Amanhã
é Maio, manda o calendário
É
meu mês de nascido, pelo dia oitavo
De
que(m) me perdi? Para que silabário
Tenho
gaguejado meio-morto-idem-vivo?
Acabo
de falar com um jurista reformado
É
ex-fumador (mas só de há três anos)
Gaba-se
(& bem) de um filho mui bem colocado
Diz-me
que papava cigarros amailos charutos cubanos.
Tenho
mais dívidas do que dúvidas, meu Delfim
O
essencial desapercebe-me, receio-o bem
Sinto
muitíssima falta da minha Mãe
&
de meu Pai também, aliás & enfim.
André
resolve do pasquim as palavras-cruzadas
Sabe
de cor a pátria em que nasceu Abraão
Tem
com a ex-mulher contas complicadas
Separaram-se
logo que ele se soube cabrão.
Acordo
antes das sete, pela aura da névoa
É
em leito sozinho, a ninguém incomodo
Só
que não em país nórdico, álgido & níveo
Ainda
um dia destes ou renasço ou me fodo.
****
A
noite ainda não é para já.
Devorarei
a tarde como puder.
A
manhã já não é, dissipou-se.
Nem
sei que horas possam ser.
Domingo,
malfadado dia eterno.
Sento-me
& sinto-me. Para quê o quê?
Aves
pequeninas, coloridas, engaioladas em varandas altas.
A
Cidade desertada, raros autocarros.
O
meu paterAvô, há um século, em seu/meu quarto.
A
vida, também ela, de-Fora-de-Portas.
Como
posso ainda criar alguma alternativa?
Mesmo
outonalmente, alguma prova viva?
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