MaterAvó Catrina Abrunheiro
O meu
paterAvô, José A., arrendou quarto na rua mesma onde ora dur(m)o.
Pouquíssimo sei
desse pai de nove crianças.
Era condutor
de eléctricos municipais, patrono em Antuzede.
Dominava as
artes da poda & da enxertia de árvores-fruteiras.
Alfaiatava ele
mesmo a roupa dos filhos.
Morreu aos 48
ou 50 anos, encerrados para sempre seus olhos azuis.
Mulher dele,
a minha materAvó morreu por volta do meu nascimento.
Era Catrina,
foi vendendo as courelas para não famelizar os filhos.
Tudo isto é
remo(r)to, não tem torna nem remédio.
Escrevo no
intuito de suportar o meu século: & a minha brevidade.
Ancoro-me a
figuras que meu Pai adequadamente venerava.
Mal me não há-de
fazer: como mo fazem estes dias sem horizonte.
Levanto-me
muito cedo, revisto-me depressa, retomo da rua o deserto.
Falaram-me
hoje de coisas hortícolas, gostei de aprendê-las.
Talvez comece
a trabalhar pro-bono em uma horta comunitária.
Os versos
sustentam-me – mas não me dão sustento.
Ciprestes vangoghianos
em labaredas girassólicas?
Sim, siderais
& sob estrelas auroraboreais, eólicas.
Muito pode a
loucura demandando, indefessamente, a Beleza.
E para quê,
senhor meu paterAvô, para quê?
O senhor,
capaz de pôr laranjeiras a gerar limões: quem sois?
A sua Rua de
Fora de Portas é veramente a minha da Figueira da Foz?
Nove filhos
de uma mesma & só mulher: quantos limões.
Soube o
senhor da Primeira Grande Guerra – e nada da Segunda.
Sou Hermínio,
vi esta matina a mais desejável senhora-menina.
Ainda assomos-repentes
de desejo me assolam? Sim, mas pouco.
Vi-lhe no
sinistro anular o áureo (arg)anel de casada.
Respeitei-a
em o mais devoto silêncio, sangue me não inchou os tecidos erécteis.
Aprendi coisas
da hortícola ciência: cogumelos, milagres fúngicos.
Já a noite
sitiou esta porra toda, dormirei a sós.
Está estragado
o fecho da janela ocidental do meu quarto.
A corrente-de-ar
às vezes neva-me a sonhadoria, a inquietude.
Hermínio aplicou
esta semana dois euros & meio no euromilhões.
Há jackpot
gordo: mudar-lhe-ia coisas rijas no sentido editorial.
Uma casa na
Figueira da Foz, alguma cabana na Noruega.
Dez anos de
prosperidade, repletas as Filhas de futuro-garantido.
Tirar gente
da rua, criar uma sopa-dos-pobres-à-la-Sidónio.
Comprar uma
bicicleta, deixar o tabaco, diminuir a aguardente.
Ser no mais
como a demais gente: mas menos camusianamente.
E florir
mais, muito mais, os mármores bidatados dos Mortos-Amados.
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