22/07/2022

H. EM BUSCA DELFIM - 20 (conclusão)

 

Aí está a hora a que as velhas senhoras terminam seu chá-protésico.

Transige a luz, o planeta range um pouco em seu eixo ingente.

No baldio que pato-bravo algum ainda acimentou, coelhitos & melros.

Edifícios dourados pelo pré-poente, a grande hipermercearia a sul.

 

Falatórios de d-existentes não esmorecem renitentes.

Gaiteiros lá muito antigamente vibraram a infância festiva.

Acho ter sido Joan Manuel Serrat a cantar os títeres.

E Georges Simenon a explicar a bruma de homens em canais nevoentos.

 

Telefonaram-me hoje, evento que se me volve precioso.

Há anos de mais ando com o aparelho no bolso, de/para pouco me serve.

Convites para baptizados & casamentos, poucos/nenhuns hei já.

Para velórios sim, agora que está em moda a cremação cinérea.

 

Gostaria de cear com alguém que se con’fe’ver’sasse ouvindo.

Nada de depois-hotel, esfuruncanço erótico, suor gemido, quinquilharias de pele húmida.

Alguém que se escutasse conversando-se entre azeitonas.

E um pouco de Mário Botas, Schiele, Osório, Pessanha.

 

Consulto sem pressa nem demora as necrologias-de-pasquim.

Fotos-tipo-passe, a idade, viuvez ou não, missa-de-sétimo-dia.

Também me interessa a Liga dos Campeões, coliseu de rematadores.

Entretém-me o absurdo-organizado, o IRS-ovelheiro.

 

Eis o instante em que a Cidade nada pode fazer por ti.

Reina a impiedade absoluta, as pessoas têm al que fazer.

A luz doura ainda a encosta-norte da Conchada.

É bonito sentir as matinées tardias da livre passarada.

 

Não penso morrer sem estar sentindo que vivi alguma coisa.

Parafraseando o grande Outro (1888-1935):

O que em mim pensa está sentindo.

Não penso morrer – nem viver dá assim tanto que pensar.



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Canzoada Assaltante