25/12/2019

CADERNETA PRETA - 20 (trechos)




20. Para Consumo da Casa
    



a) Sexta-feira, 29 de Novembro de 2019

Da sala, espectáculo vivo do Novembro-moribundo: campânula nublando o mundo, fechando-o em ensimesmamento húmido, varrendo as gentes para a invisibilidade, convocando a pujança da vegetação que resistiu ao cimento, ao vidro, ao plástico, à borracha. Como se o Loreto, o Casal Ferrão, a Relvinha, o Brinca e o de São Miguel renasçam – mas sem homens – Reichnam, Echternach, Lieja, Bamberg e Hildesheim, com Aix-en-Chapelle para menos riba.

Da casa, em casa, consumo & consumação. Nem rendição, nem heroísmo. General aqui, soldado lá fora.


b) Sábado, 30 de Novembro de 2019

(Sempre que posso, não escrevo.
Nem vivo.)

Gosto muito de quando o bando, de uma só vez & a uma só voz, debanda, oblíquo, do chão para a torre. Alguns retardados odeiam-nas. Eu sou columbófilo, cuspo no focinho dos columbófobos. Trago-lhes comida, evito dirigir-lhes palavra que não escrita. Sobreviventes da mesquinhez, cagam acidamente na arquitectura que os monárquicos, de mão-beijada como é deles tão próprio, deram aos republicanos.

É prata mas azul mas à noite chamo,
sobretudo quando de manhã acontece.
Homens com sacos, homens ensacados.
Orlam o sábado como rangentes relíquias.

A administração alguma satisfaço estas linhas,
as contas sempre estiveram feitas,
foi sempre zero o resto.
Já o rosto, o rosto é outra coisa.

Não muitas horas demora já Novembro,
em pouco será noite, não mais dia
verá Novembro dar-se de si,
Dezembro traz consigo as merdas de costume.

O fundamento parece incomunicável,
fizeram negócio seu os padres à comunhão,
no rectângulo restrito d’onde olho
conto oito-árvores-oito, prédios das aves.

À parte o que me sonha, durmo bem,
melam-se-me os olhos, a boca sossega,
o Gato reina no escuro fosforescente,
venha ou não a manhã verei ou não.

*

Sítios a que nunca fui ou irei
– trouxe escritos.
Em que estive, mas sem lápis
– esse o meu papel.

*

Pai meu que não estás no céu,
a realidade nunca foi o meu quintal favorito,
seu sim, onde os animais nos eram de sangue,
irmãos que até hoje religião alguma agremiou.
Mãe minha que à terra restituímos,
esta trangalhadança horária suja as cortinas,
ao vão – que em vão, não – janelas abro,
vejo a senhora nas pequenas coisas, lácteas todas.

(…)

GEOPOLÍTICA tipo PEDIMOS DESCULPA
POR ESTA INTERRUPÇÃO – O PROGRAMA
SEGUE DENTRO DE MOMENTOS

Olha, vamos é jantar aos chineses
antes que eles nos devorem.


*

“Fala pouco de mais”
– diz no autocarro, do neto, a velha.

Mais sábio, o neto.

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Canzoada Assaltante