14. Um Adeus em Branco
a) Sábado, 16 de Novembro de 2019
Habitaram esta gândara clãs de tão
comum normalidade, que exumá-los a lápis do tão merecido repouso chamado
esquecimento só pode ser mania lapiseira – tinteira, por vezes –, de modo algum
urgência histórica. Quintas laboriosas, prósperas, desempenadas, de amplos
hectares, culturas assisadas que a meteorologia de então fomentava à hora certa
na estação exacta. Boas árvores, fauna sem moléstias importadas. Muito boa água
– freática, como pluvial. Pedra onde é de pedra, torrão onde torrão.
Outra é a minha dem’hora. A gândara
que me coube, a verdade é esta, não frutifica. Os daqui não aram um are.
Betãoplenaram o que de árvores houve. Não há clãs, só gente-só colmeando
quartos-ao-mês. A água é plastificada. Nem do esquecimento há que
desenterrar-nos. Pedra só pedra, nem torrão à vista.
(Interessa-me da realidade o que
ela vier palavra.)
(Trato o Gato como fui criado: em
palavroso comentário do que aí vem, já veio, pff.)
A caminho, um tanto alquebrado da
ossatura já cinquentenária mais meã, fruí a eternidade imediata do Sábado. Sou
varão desta vara. Tal como reconheço os rostos-satélites desta cidade lunar,
tal serei já reconhecido por alguns varões da minha geração & upa-upa.
Reitero: é disto que falo quando escrevo pertença
– mesmo quando já não-presença.
Descura ou não, resulta o mesmo.
Afias o lápis roendo-o em unha.
A repetição ’inda é credora de
pasmo,
eu tinha cão que não tinha tinha.
*
De verbo só embora mandei rosa
a pessoa sem luzes de proscénio.
Tenho rosas a mais, maravilhosa
rosa d’água fresca com oxigénio.
b) Domingo, 17 de Novembro de 2019
Escrevo entre as cinzas do Domingo.
Já não arde a rosa que foi. Há felizmente silêncio, dentro & fora. O
candeeiro à cabeceira não zune, trabalha sem um protesto. As coisas do dia
aconteceram sem História. Fora, longe – alguém morreu; alguém nasceu, morrerá.
A solene brincadeira que tudo isto é, aqui como na Dinamarca, no Japão todo
como ali em a trivial (mas nossa) Moimenta da beira.
Não li muito. Ou antes: não li de
mais. Planei- é isso – planei. Agradou-me, pela janela do quarto, a condição
invernosa do dia. Falta-me aqui lareira. Tenho de comprar chá-preto, só duas
saquetas me esperam. Conto arrumar livralhada amanhã. E dar-me (ainda) mais a
certos papéis, meus fiéis depositários, meu derradeiro tesouro. Não me
telefonaram nem telefonei. Vi chover. O panorama a oeste, cerrado em chumbo
líquido. Tudo muito bonito. Uma lareira teria sido a perfeição. Não foi – mas
não houve mal por tal.
[Tenho ganas de voltar a ler
Verne, Dickens & Scott (Walter, não Fitzgerald).]
c) Segunda-feira, 18 de Novembro de 2019
(Saindo
de casa, o único lugar a que ir é à Thomaskirche, em Leipzig. Mas enquanto
não:)
Quatro
homens em pleno trabalho de equipa. Anos disto, todos & cada um.
Sedimentou-se memória-a-quatro nas oito mãos. É tremenda, a força da gravura.
Pelo entardenoitecer separam-se, dois deles vão ainda a qualquer lado juntos.
Amanhã volta(m) a ser dia.
d) Terça-feira, 19 de Novembro de 2019
Morreu
José Mário em Branco.
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