15. Hoje Não para Bilharistas
a) Quinta-feira, 21 de Novembro de 2019
Cá estamos – por enquanto.
Ver, mais do que apenas viver.
Viver é vir ver – afinal.
Esta casa arruma-se. O mesmo é
dizer: Este gajo organiza-se.
Cenas de rua, recordadas em frente,
animam o recolhido. Nomes & datas & sítios & gestos – tudo importa,
em a possível retaliação quanto ao Grande Nada a que o (de)terminado. Livros
queimados em hasta pública: Heine avisou. Fatalidade humana: ser rebanho
acéfalo. Ou: se cérebro não tens, de cabeça não precisas – corto-ta, portanto.
Em antídoto, grandes extensões relvadas à chuva-miudinha, nem um antropóide à
vista. Nem um Hans Kehrl. Nem um Konrad Morgen. Novembro, esplendor anónimo.
Pois, nem sequer um Heinz Reinheimer. (Em nota lapijada na segunda-feira, 15 de
Abril de 1985, alinhei incertos Rudolfo
Hilo de Astona, James Kenton e Frederiko Spiengelheim – sei já tão-só
que estive na mini-feira do livro que nessa manhã se realizava na Faculdade de
Medicina, ali mesmo ao lado da minha; não sei mais porquês.) Vejo-os, antes, na
escuridão cujas pontas unem a circunferência fin’inici’al. Hugh Greene, um mais
a menos. (Nem Graham nem Julien, mas Hugh.) Isto não é Londres, isto não é
Berlim. É o futuro do deserto, isto – estamos em estágio para ele. Já nem rasto
nem rosto nem de um Ewald von Kleist. Só voltando a 1973, The
World at War da Thames Television etc. Desta janela alta, prédios
& campos, descomunais miniaturas, poderosos fiéis retratos devidos pela
suposta realidade a si mesma. Surdos juramentos, maceradas recriminações, tanta
força rasgada em farrapos. Deixai-me ver, um pouco mais ’inda:
Na mesinha-de-cabeceira, O Carnaval da Morte, de Albano Negrão,
que A. Ramada Curto prefaciou em Lisboa a 16 de Março de 1933 (uma
quinta-feira);
Manhã cedo, as mulheres-da-limpeza
vieram ao prédio, operaram em semiclandestinidade, rarefizeram-se depois no ar
fresco do anonimato;
Estátuas equestres, esverdinhadas
pela espera (oxidação de toda a fé), são devidamente cagadas pelas pombas;
Uma Hepke Reimer esteve lá, nos
multi-multitudinários comícios pró-adoração do Führer;
Um Werner Pusch foi de ambos
contemporâneo;
Vai declinando a Quinta-feira.
Declina, a tarde, não há como
sustê-la, ó amantíssima Eva. Mais sem sustento possível se degradarão em cinza
incorpórea. Não remota já, já a noite se rearma. Não usa pressa, segura que é
da vitória.
Império mínimo, doméstica
monarquia. Uma senhora chamada Christabel Bielenberg reinou sobre a própria
memória num tempo precisamente oposta a este hoje-de-paz-podre. O Gato & eu
fazemos & vamos pela pacata maneira. Aqui, Herr Siegmund Weltlinger, aos
cristais não quebra a noite.
Pimenta, alho, piripíri liquefeito,
costeleta-do-cachaço. Mel, canela, leite, chá-preto. Sim, Frau Emmi Bonhoeffer,
claro que sim. Almoço & merenda. Pudim, com um pouco de sorte. Digerir.
Gerir. Não-ir. Ao ar. Ficar.
Dois amigos, pelo entardenoitecer,
volta cada um de seu emprego, encontram-se ali onde a via se bifurca oeste-sul,
sobem a pé a senda da ribanceira, vão tomar algo ao bar da pensão, conversam o
costume. Combinam uma bilharada para depois do jantar, combinação que não chega
a concretizar-se porque se dá um crime de bairro, o pequeno mas feroz Herculano
bateu uma vez mais na mulher mas desta vez não com as mãos, esqueceu-se talvez
de que era portador de um dos atiçadores da lareira, abriu na cabeça de
Rosalina um lanho hediondo, já vieram ambulância & polícia, Rosalina morre
às duas & ½ da madrugada nas Urgências, Herculano fica sob detenção para
apresentação ao juiz. Não se fala de outra coisa. Já pelo bairro esvoaça o
abutre do canal televisivo mais popularucho. Passam seis anos, Herculano sai da
prisão pelo 10-de-Junho, o Café com sala-de-jogos fechou, não há bilhar para
ninguém.
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