26/04/2010

Viagem ao Fim da Manhã

I. QUANDO AS FILHAS FAZEM 40 ANOS, OS PAIS ESCREVEM POEMAS OU PIOR
Pombal, manhã de 22 de Abril de 2010

Fala-me um pouco enquanto a manhã não acaba
Os dias correm enxutos ao colo das pedras roladas
Os talhos funcionam à base de matadouros
E são mansas a minha filosofia, a minha vanidade.

Espero por ti onde o coreto deita sombra
Não é fácil ser feliz de tarde, tenho tentado
Diz-me da tua vida, dos teus negócios
Conta-me das rainhas da noite, das nespereiras.

Escolhes o mais macio dos casacos, sais sozinha
As luzes das montras são as jóias da tua noite
Os Correios estão fechados, pulsam os semáforos
Anda um pai a criar uma filha para isto.

II. QUANDO ESCREVO, NEM ANTES NEM P’LO CONTRÁRIO
Ibidem

Faço todos os dias por haver amanhã
Mas ontem é a minha condição, não a tua.
A rua vive de expedientes, o mais são gentes
e eu derivo por bancas de fruta e demais sílabas.

À luz do que sei, as sombras são
as veras companhias do homem só.
Pó recolho do casaco, dos sapatos pobres,
mas olha-me tu que um dia destes.

III. FORGIVE ME, S’IL VOUS PLAÎT
Ibidem

Ó absolvição feita manhã,
ó reparações de televisões, ó poesia:
dai-me a relojoeira romã,
dai-me o perdão da malvasia.

IV. RIO-ME MUITO POR COMOÇÃO
Ibidem

Rio-me muito por comoção ante a beleza
governada de casas e aves, finda a manhã.
A luz é tanta, minha senhora, que inunda
de mundo as coisas todas, as coisas todas.

A simples passadeira transversal,
que é signo branco & preto da passagem,
tem da zebra-barra a mesma imagem,
do nascer que morrer é natural.



2 comentários:

jorge vicente disse...

e a poesia é aqui como uma segunda pele.

bons poemas!

um grande abraço
jorge vicente

Daniel Abrunheiro disse...

Vindo de quem vem, muito obrigado, Jorge.

Canzoada Assaltante