19/04/2010

Espera pela Ordem Final no Outono Filipino

Souto, Casa, fim da tarde e noite de 17 de Abril de 2010



Escrev(ej)o outonalmente.
Não importa a altura do ano.
Não importa o ano.
Escrevo, vejo e vivo no outono.
Sou de boca doente mas de bom coração.
Sonho resgatar sobreviventes das Filipinas em Outubro de 1944.
Poderia habitar Manila um par de semanas, frequentar a solidão histórica das praias de Leyte, contar os mortos, contar as areias.
Sou terrenamente uma força aérea.
Cuido do jardim interior possível.
Em Ramitelli, na Itália, pessoas como nós vegetam como nós existências carnívoras.
Em Blechmann, na Polónia, é igual, incluindo os católicos.
Combates, embates, abates: fúria e rotina, o homem chamado Shelby, o homem chamado Westbrook, o homem chamado Klaus, o homem chamado Irving.
Latas de ração de combate, chávenas de café sintético tomadas a sós com o coração.
Cavalos enfermos de nostalgia dos pastos escoceses olham-me nos olhos com uma resignação mortal.
Adquiro vibrações terríveis no sangue, custa-me respirar o que penso.
Ao largo de Samar, homens de caqui binoculam objectivos terminais.
Todos sentimos profusamente, o nosso dever é seguir vivos nas casas apagadas, nos meses-árvores, nas angústias-arbustos, nos prédios que a autarquia preenche de inadaptados à selvajaria do capitalismo.
Uma mulher chamada Pérola-de-Chá, uma mulher chamada Potestade-do-Céu, uma mulher chamada Ave-em-Laranjeira, uma mulher chamada Maria-da-Purificação.
Em Bruyères, França, gente sentada em torno de mesas de madeira curtindo o couro da luz que lhes molha as mãos.
Os homens da 442, os rapazes paramédicos, a traição da tosse irreprimível no escuro da emboscada, a fuga em desespero das aves de Hiroshima: cinzas de aves em pleno voo, radiografias de si mesmas.
Sobreviver às emoções e às armas que ensarilham as ex-hortas da paz.
Alpes Negros, Jugoslávia; a principesca Lua causticando as infâncias tremendas; a improbabilidade do resgate pela escrita, a mais outonal embora; a tenacidade dela, porém e também.
Esquadrilhas e escotilhas, o homem chamado Pioni e o homem chamado Goldstein e o homem chamado Pier e o homem chamado Yukio.
Espero a ordem final, a que deixará dormir.
Espero a solidão extrema, a extrema nudez.
Cordilheira dos Vosges, França; Aix-en-Provence; Chartres; Besançon; Idaho; Calgary; Warsaw; Leeds; Sheffield, algures.
Estrela de Prata, Estrela de Bronze, Coração Púrpura, Torre e Espada.
Não posso senão viver kamikazemente: quem o poderá?

2 comentários:

Petit Joe disse...

Poderias ver o lado B da vida?

Daniel Abrunheiro disse...

Posso. Não dês importância a isto.

Canzoada Assaltante