© August Sander
(Brinde a
Delfim, ontem aniversariante, à conta de 59 anos de nascido, Abril também então:)
Três camponeses
vão ao baile na vila. São moços todos, nem vinte anos perfez cada um. Já um
século decorreu entre a água que são & a ponte do meu dia, que sábado é
também.
Três senhoras
septuagenárias do século XXI charlam tranquilamente em a esplanada que me
acolhe durante a nevoeirenta matina. Escuto-as querendo, qual elas, ser &
estar tranquilo. Mas.
E então, meu
bom Delfim, temo finalmente. Perspectivam-se-me dias antiprimaveris. Bato à
porta de uma velhice improvável, desconheço se perfarei sequer os sessenta.
(Mas afinal não, não temo – talvez, pelo contrário, deseje.)
Tenho tão-só
reconhecido o folclore exterior da morte
Fundem-se-me já
rostos por esta irmanados
Centenários alguns,
outros de recém-aquisição
Mas é entre
vivos que vivo ainda, por boa ou má sorte.
Ando de
momento escapando por a escrita à vida
Ler, também leio,
horas sobrevivendo eólicas
Fez-se hoje desde
cedo nevoeiro denso
Não foi
desagradável, quieto, ir de corrida.
Piores são os
turnos nocturnos em tálamo deserto
Sonho situações
avinagradas em rodízio
Vozes mudas
como silhuetas de gatos à janela
Sinto-me
sitiado, suo muito, é aflito que desperto.
Alimento pombas
quando nem pão me sobra
Mas em
espírito ceio nos melhores parisienses
Ostras &
champanhe & caviar são meus pertences
Tal o são
alguns versos da minha suposta obra.
Derivo por
uma Londres de miniatura Coimbra chamada
Desde 1111 o
faço mas sem notório alarde
É provável
que a vida se me venha volvendo tarde
Mas em Sr.
James’s Street namorisco uma criada.
Já jacentes
de mais vi em cera corruptível
(Sabes,
Delfim, o cheiro a água-murchas de flores-idem?)
Da família
Morais – cinco ao todo – resta ninguém
E eu perco-me
pensando por/para quê, como é possível?
Atenção: eu já
antes namorara criadas roliças
Dessas que
gemem no foder, langorosas & quebradiças
Sim, dessas
cujos sovacos emanam fedor de hortaliças
E cujas honrosas
conas embainham muitas piças.
Tirante estas
minúcias vis & imponderosas
Lembranças tenho
ainda cheirando a rosas
Sonho muito,
desidrato-me, desejo águas-minerais
Sonho com a
Alice muito morta daquela família Morais.
Na Rua da
Figueira da Foz, onde ora nocturno a ossatura
Pombas há na
ruína em frente à janela que me esclarece
Atiro-lhes
arroz & migalhas, congrego-as em sínodo
Tasquinham em
conclave, são toda uma literatura.
Espúria é a
quietude aparente da hora, afinal assassina
Em eu adentro
da família recordações
Logo me
despenho em mal flictos trambolhões
Homem-senhora-criança-seja-menino-ou-menina.
Há em cada
pessoa um circo o mais decadente
Ferrugentos leões,
reumáticos elefantes, palhaços sem graça
Isto em cada pessoa
é tão-só o ir-se aguentando gente
Até vir o
amola-tesouras, ele apitar – e tudo (se) passa.
Genoveva queixa-se
(com razão) de seu mesmo coração
(Não o metafórico-amoroso,
mas o físico, o bomba-sangue)
Dá-se ela de
si ofegante, tremente, carente, exangue
Não Vos
garanto que Genoveva logre chegar ao Verão.
Sempre divertida
todavia Isabel, a mui bonita
Dá palha a
seu asno & e milho a sua pita
É ela quem
lava de joelhos a capelita
Noivo algum a
requereu, sendo isto verdade escrita.
Amo sem
consequência oportunidades dissipadas
Digo: auroras
de pronto fresco, fêmeas devidamente devoradas
Horas sob
latadas, cenáculos sem doutores
E gargalhadas
atiradas a senhoras, meus senhores.
Manuel, o
Sapateiro, sagaz como uma sã criança
João, o
Tabelião, de húmidos olhos ridentes
Fernando, o
Fármaco, de dentes escuros, doentes
&
Adriano, o Ricalhaço, que de bagaço se não cansa.
Engraço, meu
bom Delfim, com o escaparem-se-me verdades
Em versos
cujo tecido não particularmente (me) fiei
Trata-se por
certo de o inconsciente dando-se liberdades
De que afinal
me livro, em livro sem norma ou lei.
Exaurida já a
matina, supresso já o nevoeiro
Andorinhas negrejam
já seu ébrio voo em o azul
& eu
aponto o verso à beleza por que anseio
Escrevendo à
janota, à idiota, à taful.
A baile vilão
no sábado vão três camponeses
Solteiros,
mui moços, enfarpelados a preto
Talvez um ’inda
dia eu lhes faça um soneto
Pode tal estar por segundos ou vidas ou meses.
2 comentários:
Gostei dos versos. Em busca Delfim me chama a atenção pelas sutilezas lacônicas e irônicas! Mas não sou janota, ou idiota e nem taful.
Seja bem-vindo, T.
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