14/06/2022

H. EM BUSCA DELFIM - 10 (primeiras 448 palavras)

© DA.


Hermínio arrola ante Delfim:

 

Insensata boniteza da matina aprilina

Frescura da luz dando nas ervas rociadas

Mulher jovem de cabelo negro como vinhas esquecidas

A menina que seu pai leva de viagem intercontinental

O pai de Hermínio debulhando um fruto um fruto na montanha

Na praia, Hermínio com a mulher que se desesperou

Quinta-feira, 14 de Abril, o futuro afinal só isto

Portugueses da primeira década do XX: obscuramente

O senhor Miguel, descascador de batatas no Café Lobito

Ele mesmo, nascido a 5 de Outubro de 1910 (uma quarta-feira)

Era para nós infantes o “Senhor República”

Morreu há muitos anos, nem nós somos os infantes d’antes

Um rapaz de Portalegre (Olivério Cadete), caiador de muros

Se se ama por egoísmo, é uma chatice, nunca resulta

Ana Delenos, radiosa, aurífera, inexpugnável

Talhante de carcaças, Benedito a amou sem retorno

Estas coisas acontecem milénios agora sem curação

Estorninhos pissitam a preto-e-branco adentro Hermínio

Louva & lava & leva seus mortos sem cessação de contrato

Delfim, meu excelso Delfim, talvez um dia alguma coisa

Talvez um dia alguma coisa sossegue, cessando-o, este rol

O anho pascal viveu pouco como nós cristãos afinal

Com cinquenta moedas de ouro, uma pessoa aguenta-se horas

Horas a fio & de pé ante o tráfego intenso de pequenos-nadas

É de pundonor falar pouco de suicidas, a coisa pode pegar-se

Antero, Camilo, Sá-Carneiro, também à sua maneira Pessoa

This means nothing to me, canta o Midge Ure dos Ultravox

Outros rapazes é que a levam direita, são gostos, nada que dizer

A caixeira de farmácia deglute seu galão-torrada-pouca-manteiga

Sei bem, Delfim, que também em pastelarias te sonetas todo

Pena é tão-só que queiras tanto à vida, essa infiel

Restolham melros no baldio ainda não tomado pelo pato-bravo

Cães hieroglifam a mijo monumentos de alheios deuses

Em vez de louvar a meu ídolo, iconoclasto o teu

A onicofagia tem sido a minha mor autofagia

As unhas todavia recrescem, obstinam-se em alcançar o céu

A reminiscência-platónica & o cálculo-renal?

Pois muito bem, têm ambos direito-à-vida

Às dez & 23 de quinta-feira, 14 de Abril, estou vivo & malsão

Recordo por vício consuetudinário, digamo-lo assim, Delfim

Capciosa, caprichosa, fulgura rubramente a ruiva rosa

A Mãe de Hermínio não é já senão par-de-datas

Dois dos filhos dela são adubo já da dita rosa

Hermínio ama os estendais de camisas crucificadas

De cordames pendurados pela Mãe lavadas

O paterAvô de Hermínio teve quarto onde tem quarto Hermínio

Mais anos-em-vivo tem porém o neto do que seu Pai-de-Pai

Três desaparecidos-em-incerto-combate, afinal tão-só

Era em Novembro, quando ainda chovia

Passava eu na Biblioteca Municipal o melhor de meu dia

Estudava Agatha Christie, hermenêutica & geografia

Tudo lá vai, já pouco estudo, duro a quinta-feira

 

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Canzoada Assaltante