13/06/2022

H. EM BUSCA DELFIM - 9

© DA.


Excelente Delfim:

 

Vai já quase meão o corrente Abril. Aniversariar-te-ás depois-de-amanhã, tudo correndo em norma. Eu vivi um dia-hoje talvez felizmente apagado – até a sesta cabeceei, ajudado por uma pastilha fármaca decamiligramática. A noite já mostra as unhas. Lendo antes da obscuridade, entretive-me com um jantar de final de colheitas em certo Setembro dos primórdios do século passado, mais ou menos a dez anos do nascimento de meu Pai. Por assim dizer, viajei. De resto, tive uma contrariedade pecuniária mais: não me pagaram os sonetos de Março. Confio que me os paguem amanhã? Não, desconfio. Recorrerei esta noite a bolachas salgadas & a uma lata de cavalas. Tenho provisões no quarto do meu Avô. Não gasto lá vinho, só água, chá & leite. Levanto-me cedíssimo (antes das sete), recolho-me o mais tarde possível – mas no limite da não-perturbação de meus co-inquilinos de gaiola. A isto transigi a minha situação. Não me louvo nem me vitupero. Morrer à fome – parece-me mal. Morrer à sede – intolerável. Viver entre uma & outra coisas – brincadeira perigosa, mesmo que alguns sonetos me saiam medíocres. Mas olha, Delfim caro:

 

Em hotéis-de-quatro-estrelas dormi acordadamente senhoras

que, sonetos não praticando mas fruindo, me desideraram jacente.

Era eu então de diversas colheitas de versos-lavouras.

E era bem mais moço, ’inda o ser-vivo não m’era estar-doente.

 

Antes que se me anoitecesse cada manhã, nem sei já, ganhava o dia.

Voltarei talvez a ganhá-lo, não há toalha a chão atirada.

É certo que tudo (se) passa, tudo resultando coisa passada.

Mas em hotéis-tetra-estelares, senhoras gaivotas de alva-maresia.

 

Idas são, que voltam não. De outros benquistas, proveito lhes faça.

Eu sou daquela espécie intensa, que mal pensa & mal passa.

Mas pode que amanhã me paguem, de Março, os sonetos.

 

Recolhem-se as aves já, é caduca a luz, tudo normalidade.

A Cidade suspira, prenhe de fome como de saciedade.

Enigma é os vivos nem mortos serem secretos.

 

Os anos passam – mas algumas noites-fases não. Duram estas uma eternidade que obsta à aurora. Alguma crise renal-urinária, ou uma consecução precária de elementos heterobiográficos, ou uma sábia e fundamentada descrença nos gestos da grei nossa circunstante: ou coisa assim-afim. Envelhece-se, meu Delfim, sem que sequer a morte-durante-o-sono nos garanta doçura, esvaziamento, largada sem amarras rumo a portos que não há de ilhas por haver.

 


 

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Canzoada Assaltante