© DA.
Excelente Delfim:
Vai já quase
meão o corrente Abril. Aniversariar-te-ás depois-de-amanhã, tudo correndo em
norma. Eu vivi um dia-hoje talvez felizmente apagado – até a sesta cabeceei,
ajudado por uma pastilha fármaca decamiligramática. A noite já mostra as unhas.
Lendo antes da obscuridade, entretive-me com um jantar de final de colheitas em
certo Setembro dos primórdios do século passado, mais ou menos a dez anos do
nascimento de meu Pai. Por assim dizer, viajei. De resto, tive uma
contrariedade pecuniária mais: não me pagaram os sonetos de Março. Confio que
me os paguem amanhã? Não, desconfio. Recorrerei esta noite a bolachas salgadas
& a uma lata de cavalas. Tenho provisões no quarto do meu Avô. Não gasto lá
vinho, só água, chá & leite. Levanto-me cedíssimo (antes das sete),
recolho-me o mais tarde possível – mas no limite da não-perturbação de meus
co-inquilinos de gaiola. A isto transigi a minha situação. Não me louvo nem me
vitupero. Morrer à fome – parece-me mal. Morrer à sede – intolerável. Viver
entre uma & outra coisas – brincadeira perigosa, mesmo que alguns sonetos
me saiam medíocres. Mas olha, Delfim caro:
Em
hotéis-de-quatro-estrelas dormi acordadamente senhoras
que, sonetos
não praticando mas fruindo, me desideraram jacente.
Era eu então
de diversas colheitas de versos-lavouras.
E era bem
mais moço, ’inda o ser-vivo não m’era
estar-doente.
Antes que se
me anoitecesse cada manhã, nem sei já, ganhava o dia.
Voltarei
talvez a ganhá-lo, não há toalha a chão atirada.
É certo que
tudo (se) passa, tudo resultando coisa passada.
Mas em
hotéis-tetra-estelares, senhoras gaivotas de alva-maresia.
Idas são, que
voltam não. De outros benquistas, proveito lhes faça.
Eu sou
daquela espécie intensa, que mal pensa & mal passa.
Mas pode que
amanhã me paguem, de Março, os sonetos.
Recolhem-se
as aves já, é caduca a luz, tudo normalidade.
A Cidade
suspira, prenhe de fome como de saciedade.
Enigma é os
vivos nem mortos serem secretos.
Os anos
passam – mas algumas noites-fases não. Duram estas uma eternidade que obsta à
aurora. Alguma crise renal-urinária, ou uma consecução precária de elementos
heterobiográficos, ou uma sábia e fundamentada descrença nos gestos da grei
nossa circunstante: ou coisa assim-afim. Envelhece-se, meu Delfim, sem que
sequer a morte-durante-o-sono nos garanta doçura, esvaziamento, largada sem
amarras rumo a portos que não há de ilhas por haver.
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