15/06/2022

H. EM BUSCA DELFIM - 10 (mais 471 palavras)

© DA.




O cláxon do peixeiro-ambulante atordoa a quietude

Hei-de dormir outras eternidades de virar-de-esquina

Ser comensal de latas-conserveiras em palustres solidões

Escrevo-te em verso hoje, Delfim, tão-só porque-sim

Já não incendeio a palha de mulheres, não desperto já chamas

Tive há muito a minha parte de ígnea carnação

Não adiro à nova terminologia gramatical, rejeito-a

Vi ontem no autocarro um rapaz de brincos nos orelhames

Tive pena dele como pena tenho dos tatuados

Nasci no século XIX, moro num quarto da de Fora de Portas

Ando desiderando a morte, não hei que negá-lo

Comovem-me as alminhas veladas votivamente

Comovem-me as putas sexagenárias que o euromilhões escarnece

Sou uma delas, os meus versos não logram o século

Andam de mim arredios os fregueses, talvez eu cheire mal

E no entanto quão mais fácil seria escutar em lugar de dizer

Quão mais fácil a rosa apreciada à hora do chá

À hora do chá rente a senhora de equilibrada contabilidade

Chamava-se Estrela Tiago de Velha-Celas, era caduca

Eu bom-diava-a mui cedo, nem as oito eram dadas

Ela fenecia à janela como esses gerânios que não chegam a voar

Duas décadas volvidas, nenhuma já de tais vidas

O menino deveria ter estudado um pouco mais, sido sensato

Ter tido um gato, um currículo, algum saber hidráulico

Nem áulico, ático, arúspice ou coisa que o visse grego

Sossego, isso sim, sossego, sob a latada tomando limonada

Esperando a volta do Pai, que maduramente é solar

Tranquilizando a Mãe, dizendo-lhe que tudo bem

Delfim de Delfina, Daniel de Hermínia

Heteronímias afinal fáceis & no final fósseis

Grisalhas oliveiras centenárias: amo-as azeitemente

Cedros medrados à Van Gogh: amo-os labaredamente

Andorinham-se já os derradeiros minutos da matina

(Surdem já as 11h30m, não produzi muito nem muito bem)

Penso em Mário Botas, Cristovam Pavia, Manuel Cintra, Amadeo

& nesse pobre Nobre que francês algum conhece ou leu

(Coitados dos franceses!: tanta coisa, mas foi no Mónaco que o Ferré nasceu)

Tenho um Irmão doentíssimo, há dois anos espero o telefonema

Não serei eu a telefonar, ainda nem o meio-dia se deu

Não tenho vizinhos mas apenas gente que mora demasiado perto

Não sou Rilke nem por sete anos morarei em castelo emprestado

Acho natural que as pessoas não bebam ou respirem perto do empestado

Tal rejeição define-as mais bem do que facebookianas autobeatificações

Génio é vocábulo que se declina em ditongo decrescente

Se eu mandasse, mandaria a tudo & todos para a olaria

Digo: a olaria das Caldas da Rainha, a de fálica idolatria

Morreram-me o Chico Morais, o Fernando Pratas, o Tó também Pratas, o Caniço

Morreu-me a Maria da Luz, cujos olhos me miram ainda, sem luz embora

“Como vai a moenga?”, pergunta Raul.

“Cá se vai desandando”, anúi Joaquim.

Tudo isto parece ser coevo da eternidade de Mick Jagger, e.g.

Ou da do porreiraço Ringo Starr, esfuziantemente próspero



 

Sem comentários:

Canzoada Assaltante