© Edward Hopper
A autoridade
da tristeza tem-me imposto algumas sevícias, cuja gravidade hei que combater de
frente. Há risco suicidário por estes dias tão precários. Trato amanhã de
burocracias algo dúbias – mas que evitar não posso. Por enquanto, tenho de
suportar o insuportável: chama-se Domingo.
O pai de Hermínio
nasceu no hoje de há precisamente cento e cinco anos. Muita fruta. Muita água
sob muita ponte. Dissipa-se dele a figura, à imagem & semelhança da de seu Pai,
o condutor municipal de eléctricos com quarto na Rua de Fora de Portas, hoje da
Figueira da Foz. Já o nome é película transparente. Hermínio pensa nesses dois
mortos. A tarde, já encetada, é de uma claridade rútila. Milhafres espairecem
perfeitas silhuetas de cabides altíssimos. Dois irmãos caboverdeanos bebem
cervejas à sombra. Tudo luminosamente triste.
A hora pesa. Casais,
idênticos como se fabricados-em-série, cafeínam-se, fumam em silêncio, existem
em ordem. Quase tudo encerrado. Talvez o Silva, ali à Rua das Rãs, esteja de
porta aberta. Não há estropiado nem deserdado desta Cidade que não vá ao Silva,
que a cada um acolhe como este mereça por seus porte & comportamento.
Isto é o deserto. Se desertada, a existência volve-se intolerável. Hermínio tem luta pela frente. Dúvida nenhuma quanto a tal. Muita solidão por aí campeia. Anónima toda ela, como é timbre da pobreza. Figuras que se abaixam para catar pontas de cigarro mais do que rechupadas. Prostituição de mais que módico preçário. Exemplo: broches a cinco euros, por esses vãos de vielas apodrecidas há mil anos. Hermínio não mente a Delfim.
Hermínio não
mente a Delfim:
O porvir
sabe-me demasiado a um anteontem de há-cem-anos.
Só o larvar
esquecimento nos democratiza-fraterniza a todos.
Eu até já
passei cheques-visados, créditos a rodos.
Nascer animaliza-nos.
Morrer nos (de)volve humanos.
É precário
dar o vapor do cozido-à-portuguesa a uma geração subditada ao kebab, ao hambúrguer,
à pizza, ao sushi, à margarina imitadora da vaca farta. Também não é em
quinze-dias que vais ali apertar o pescoço ao teu próprio alcoolismo de quase
quatro décadas. Sou todavia-toda-a-vi(d)a Hermínio & não minto a Delfim
quando lhe reitero:
Um catre,
quatro gavetas de cabeceira, uma mesa e uma cadeira.
O fechador
avariado da janela-poente, entram insectos.
A rara chuva
encerra este cubículo, esta litroatura.
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