10/03/2014

Nossa Pátria minha


A 21 de Maio de 2008, publiquei no Jornal da Bairrada esta crónica. Mantém-se actual, infelizmente. Menos, infelizmente, no que respeita à minha Mãe, então viva.




Nossa Pátria minha


Sou um rapaz da área norte de Coimbra. Cresci na zona industrial da Pedrulha (do Campo, não confundir com a Pedrulha do Monte, na Mealhada). A minha Pedrulha é agora apenas zona, dada a devastação empresarial sofrida pela economia coimbrã. Caso atrás de caso, tudo abre falência (verdadeira ou manhosa), tudo fecha as portas. Operários às centenas (muitos com mais de 30 anos de casa) vêem-se atirados sem rede ao frio horror do desemprego.
Quando lá vou ver a minha Mãe, choca-me sempre a galeria dos edifícios fabris em ruínas. Sei perfeitamente que por trás de tudo está a ganância empreiteira das imobiliárias, que, em conluio com a “democracia” autárquica, nunca gostaram de pessoas, só de fregueses tê-zero que lhes comprem as gaiolas de betão nas estéreis e dormitórias urbanizações da modernidade. Logo que posso, venho-me embora dali, para desgosto da minha Mãe, que preferia que eu tivesse 12 e não 44 anos, de modo a viver com ela na casa de operário que o meu saudoso Pai sustentou, febril e fabrilmente, com mais de meio século de trabalho na pintura cerâmica. 
Se vos pareço amargo, não duvideis da parecença: ando amargo com isto a que, à falta de melhor palavra, chamamos Pátria. Suponho que a vossa Pátria é a mesma que a minha, mas não posso garanti-lo. Porquê? Porque a minha Pátria é a da selvajaria “liberal” do preço dos combustíveis, a do desemprego multitudinário, a da cavalar ignorância linguística, a da parasitária cáfila de assessores, a da arrogância ministerial, a das multimilionárias negociatas com submarinos que nos levem ao fundo e com comboios que em alta velocidade nos levem a nenhures, a de empresários desonestos que vêem na honradez o oitavo pecado mortal da alma.
Lamento, mas a minha Pátria não é a que o Scolari nos mandou pendurar das janelas e das varandas. A minha Pátria, de facto e deveras, é a dos meus 12 anos, quando as fábricas trabalhavam com gente dentro.
Garanto-vos que é triste, ter uma Pátria do século passado.

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