CEM-CATORZE:
TERMINAÇÃO
Leiria,
terça-feira, 4 de Março de 2014
Ontem, três anos que a Mãe nos terminou.
Em paz na terra, então como agora.
Olha: é um lírio do campo.
Sal da terra. Mulher de boa vontade.
Presente nas palavras do presente.
Pretérita amanhã, todavia.
Mais branca na morte: noiva outra vez.
Nós por aqui: orfã’ndando descalços no
terreiro do circo,
do terreiro do circo cortando-nos nos
despojos afiados.
Orfeus órfãos, partilhamos uma língua
universal,
por particularmente obscura, com os órfãos
outros todos.
Empalhámos a gaivota.
Engessámos a santa.
Perdemo-nos da mulher.
Já não vamos a correr para casa.
Já o fizemos – para contar-lhe a rua.
Dédalo mais simples agora, esta Ítaca de
nenhum retorno.
Ainda perfumadas dela, as mercearias que
resistem à passagem:
café, sabão, bacalhau, naftalina, à
passagem.
Tudo agora afora cânfora, água de flores
pisadas.
Persis-resis-exis-tência dela na lavagem da
roupa.
Muda de calças, filho.
Aproveita e muda de vida também, filho.
Não fumes.
Não andes por aí só por andar.
Não abandones as minhas datas, filho.
Os chinelos-de-quarto dela levitando-a.
As fraldas de velha que deixou por usar:
bebé rebelde, terminal.
Ao cabo e ao fim, uma Mãe
dessas que só em, ou de, Portugal.
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