Anedota aliás fraquita
Vão quatro freiras em seu dois-cavalos. De convento a convento. Noite inóspita, regelada. Atravessam um pinhal o mais ermo, o mais desolado. Tantas horas não contadas da madrugada nigérrima. Frio agudo como lasca de osso já roído. Hora má, enfim. Nisto, acaba-se a gasolina às sorores. Princípio de leve pânico, pensamentos (quatro) porém em Cristo. Saem do carro. Esperança não vã nem vácua em milagre. O milagre acontece: entre os afilados paus negros dos pinhos, uma luzita eléctrica. Se eléctrica, humana. Vão as quatro, rumo direito, à fonte luminescente. É um casinhoto também o mais ermo, o mais desolado. Batem à porta. Demora. Rebatem. A porta chia de abertura. É um homem. Só um homem e um homem só. Grosso de fala, diz: “O que é que vocês querem a estas horas?”. E elas: “O irmão desculpe, mas, por milagre, não dispõe de alguma gasolina?”. E ele: “Milagres, não gasto. Mas gasolina, até tenho. Recipiente é que não. Só se a levarem no meu penico.” E elas, airosas sempre e desistentes nunca: “Seja então pela graça de Deus!”.
Retornam ao citroën com a inquebrantabilidade das mulheres sem homens. Uma desatarraxa o tampão do depósito, outra comanda, duas apontam o beiço do vaso-de-noite. Vertem o combustível. Eis senão quando um camionista se achega à cena. Do lusco-fusco, vê ele o que os meus leitores vêem: quatro freiras, um penico, um dois-cavalos etc. O camionista suspende a marcha. Descerra o vidro do lugar-do-morto e atira: “Porra, irmãs, também é preciso ter uma fé do caraças!”.
E isto era – e é – o que eu queria dizer ao senhor Sócrates, que me parece viver sozinho numa casa sozinha situada em algo vão, e o mais ermo, e o mais desolado, onde, seja o que for, nem por milagre.
1 comentário:
Também gosto muito da imagem.
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