140. CORPO-RAMAL
Coimbra, segunda-feira, 3 de Janeiro de 2011
Este corpo sou, que me envia sinais nem todos legíveis. Quando com ele amo, amo com toda a genealogia cuja consequência é ele-corpo, eu portanto. Cada noite eu e ele confirmamos o daltonismo da noite-ela-mesma, a vida a preto-e-branco singrando como um barco de cinza em demanda da púrpura, do anil. No primeiro dia do ano, um pano de sol assentou na igreja. Pareceu-nos, a igreja, uma nave espacial, toda branca-em-zinco, por assim dizer. Cinza, digo. Esta tarde, terceira do novo ano (ou o ano-de-novo), caminhei sobre terra vermelha. Fui pelo abandonado ramal ferroviário. Aquilo pareceu-me algo como a vida. O meu corpo assentiu em concordância comigo. Não era a alegria nem o contrário dela, mas sim, e apenas, um homem vivo dentro do meu casaco. A madurez etc. Vimos limoeiros ricos como florões de ouro. Ouvimos um operário da construção civil assobiando como um pássaro em árvore-andaime. Descobrimos um taxista absorto, uma mulher forte e brunida, um cão jovialíssimo não sabemos porquê, eu pelo menos não sei. Já não sei tudo. Sei alguma genealogia e alguns outros corpos-eus-eles-elas. O corpo do cão, por exemplo, o cão de hoje na terra vermelha, como se também a terra soubesse sangrar. Estas maravilhas, enfim: a absorção toda mental do taxista, o flavo fulgor do limoeiro, Coimbra by night, o destino de Diego Armando Maradona, a necrologia baptistéria, as mamas das mulheres, o lítio, o colírio, o lírio e o delírio. As gotas nos olhos salinos. As abruptas penedias sobre o mar. O destino das inglesas solteironas. A atenção do (m)eu-corpo ao frio. O saco plástico da farmácia na mesa do antigo bedel das Letras (estampa roxa, serpente sanitário-farmacológica). Agora se ao corpo-eu alguém-algo perguntasse, ele me-vos diria: Sim, usufruo hoje de maior lentidão, a vida é vermelha no preto-e-branco da Noite.
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