A EDP tem a ver com a minha vida
Não vos vou falar de facturas abusivas, lá porque haja a sigla EDP no título. Não, nada disso. É de uma mulher. Isso sim. Tem a ver com luz.
Ela surgiu na minha vida provinda dessa terra mágica e de dragões que se chama Nenhures. Outro ou outros homens a tinham já preenchido, acabada dela a infância ríspida e rápida. Eu estava ali à esquina, fumava uma cigarrilha roída, esperava nem sei já o quê, nada talvez.
E então fez-se luz: aqueles olhos demorados em sua mesma água colorida, aquele peito sobressaltado pelo alvor do coração e dos mamilos como campos-de-morangos-para-sempre, aqueles trejeitos nervosos oriundos da beleza inconsciente de si mesma.
Ela trazia os dragões a tiracolo. Era sinóptica como uma badana de livro. Trazia a vida agarrada à respiração. Cumprimentou-me por causa dos óculos com que então eu escurecia a cara. Disse-me novidades da Feira de Maio, alertou-me para as próximas apresentações de teatro no âmbito da cultura municipal, deu comigo pão às pombas. Depois, a noite chegou como um acampamento de diamantes. Do que então se passou, deixo recado, que vos não conto, à vossa imaginação.
Os anos passaram como comboios. Vivo ora cada hoje sem ela, encadeado até pela escuridão. Olho de fora as janelas das casas com famílias dentro. Amealho e esmigalho pão, procuro pombas. Versos de outras pessoas também me acontecem, mas menos do que era costume quando a Biblioteca Municipal da minha cidade creditava a recomendação comercial dos adolescentes bibliófilos. Depois deu-se o 25 de Abril, Jesus aparecia de cravo à lapela, Eça de Queiroz sobrepunha Pinheiro Chagas e Bernardo Santareno era vivo e triste no dispensário psicológico de Lisboa.
Isto pode ser contado de outra maneira, eu sei, mas há tempos em que se me não faz luz para mim, não sei por onde ela anda, facturas é que não deixam de me aparecer, à maneira de dragões de Nenhures.
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