04/04/2008

A Vida ainda Assim - crónica nº 46 de Rosário Breve

Como sempre, n'O Ribatejo (www.oribatejo.pt).
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Qualquer um de nós que olhe, com olhos de ver, para o apuro do confronto entre o que à vida se dá e o que ela nos devolve, só pode, digo eu, achar que o resultado é mais laxante do que relaxante. Nenhum frémito íntimo, sequer religioso, concorrerá para nos fornir de um anjo-da-guarda à beira das valetas em que se volveram as ruas e os passadiços do nosso trânsito existencial. Sim, às vezes a vida é como as cercanias do Miradouro da Rafoa.
Três operários, de idades entre (apenas) os 32 e os 34 anos, perdem a vida na A41 quando instalavam railes de segurança: velocidade excessiva do condutor despistado é a causa provável.
Redução cosmética no IVA: um por cento na caixa peitoral do ceguinho cauteleiro.
Api(n)to Dourado em força nas manchetes do dia primeiro de Abril: pois pudera.
Os sagrados matrimónios da lusosfera desquitados com facas e caçadeiras: o desamor à portuguesa é de teor venatório.
Sarkozy & Bruni: patatá-patati.
O madeirense Cristiano Ronaldo faz de Manchester, e da própria vida, um jardim: e não consta que frequente as Novas Oportunidades.
E Manuela Moura Guedes volta ao ecrã da nossa BBC, a TVI, no dia 9 de Maio: mas não consta que os Monty Python façam o mesmo.
Vale que a vida, ainda assim, nos trouxe de volta a primavera e o sol. Nos jardins, os velhos parecem menos vulneráveis à sarna da melancolia e à necrose da memória. Pelas ruas, as crianças estralejam como foguetes de passarinhos. À passagem, as mulheres partilham com a luz o leite carnal dos seus braços nus.
E eu juraria ter acabado de sentir, nas minhas costas, o levíssimo frémito das asas de um anjo-da-guarda.

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Canzoada Assaltante