10/04/2008

Duas Crónicas

A partir da semana passada, passei a escrever semanalmente duas crónicas. À série Rosário Breve d'O Ribatejo (www.oribatejo.pt) junta-se a colecção Contra os Canhões no Região de Leiria (www.regiaodeleiria.pt).

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Contra os Canhões - 2

Um Estrangeiro quase Feliz

Moro em Portugal desde que nasci, o que, naturalmente, não abona muito a meu favor. Sou mais um estrangeiro, portanto. Sim, é estrangeiro que me sinto. Manhã muito cedo, por exemplo, vou ao café do meu vizinho tomar a primeira chávena do dia. Como trabalho por conta própria, deixo-me estar. Ainda por cima, é permitido fumar. Porreiro. Então, ligam o televisor. É fatal: TVI. É fatal: o Goucha. Sou corrido por aquela portugalidade que me resulta inaceitável, intolerável, insustentável, incontornável. Cá fora, chove. Escolho outro sítio para escrever. Descobri um que, coisa rara, não tem televisão.
É o cemitério. Entro, escolho um jazigo com degraus, sossego o coração, trabalho. Ninguém me chateia. Estou ali na paz do Senhor. O vento dá nas árvores, as aves pontuam reticências pelo papel do céu, deixou de chover, uma farpa de sol fura o cartão das nuvens. Quando preciso de algum nome para uma personagem, dou uma volta pelo labirinto simples das sepulturas. O primeiro nome deste senhor aqui, o segundo daquele e os dois últimos desta tão saudosa e estremecida senhora. Como vou morar em Portugal até morrer, já ando, por assim dizer, entre eternas saudades. Pelo fim da tarde, concedo-me uma hora de faz-nenhum e descanso em paz. Dou pão aos pombos e aos pardais da praça, ouço o canto branco da fonte luminosa, vejo passar as mulheres dos outros, vou ao parque sentir os anjos que se fazem pedra quando são descobertos, desando pelas vielas húmidas, atravesso uma praça de chão de gravilha, leio os nomes das ruas, cheiro as bancadas de fruta que alegram as ruas de uma felicidade vegetal, cheiro o frango voador das churrasqueiras, aprecio o rosto cheio de dignidade dos cães, resisto à tentação de nunca mais parar, paro, tomo um doce num tasco geriátrico cujas paredes contam calendários de santos e posters do Sporting – e sou quase feliz, apesar de estrangeiro no, afinal, meu País.
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Rosário Breve - 47

Ismos e ganas

A abrir, aviso que a figura de Jorge Coelho nem me é antipática por aí além. O que não suporto, é o jorgecoelhismo. A descarada promiscuidade (“não é ilegalidade”, salienta o Expresso) de ex-governantes com os maiores patos-bravos do betão envergonha-me como um agravo pessoal. Dá-me ganas de não ser português. Disse jorgecoelhismo como poderia dizer, e digo, o armandovarismo, o telmocorreísmo, o pauloportismo, o luísparreirismo. Dizer joséssocratismo é chover no molhado.
Se me viro para certa “literatura”, então as ganas esganam-me de todo. A Margarida do “Sei Lá”, o Miguel do “Equador”, o Santos do “Códice”: lixo, lixo, lixo. Se fecho o jornal e o livro, viro-me para a bola – e estou tramado. Os árbitros parecem-me morcões analfabetos feitos robertos-de-feira; os jogadores nem para matraquilhos de traseira de café. Os dirigentes, pior: esses al-capones de pacotilha desencabrestam-me mais as vísceras do que o mau hábito do mau bagaço.
Não é que eu vá ser espanhol: os Espanhóis não são burros, e trastes como eu têm eles lá muitos. Pensando bem, só me sobram os católicos “gays”, as protestantes lésbicas e aquele gajo da Madeira, o Coiso. Estes, ao menos, divertem-me, entre breves de marido-mata-a-mulher-e-a-sogra-e-foge-de-fiat-ritmo-para-Alcanena-ou-por-aí.
Isso e um livro autografado pela insigne Carolina Salgado, com uma tacinha de espumante de Anadia ou, vá lá, um bagacito do piorzinho, a fechar.

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Canzoada Assaltante