02/04/2008

Fala-vos um Homem de Posses

Viseu e Viseu-Caramulo, manhã e tarde de 1 de Abril de 2008

I

Tenho duas mãos duas máquinas
de armar o dia ordenhar a noite
duas aranhas operárias duas abelhas cantoras
duas máquinas portuguesas de dar de comer
aos pombos aos cães aos sonhos às esquinas
duas coisas por assim dizer duas meninas.

II

Tenho pouco mais do que este olhar castanho
perante tanto azul tanto verde tanto branco
o céu as árvores as praças onde cantam as fontes
onde as fontes manam florões de água cantora
tenho pouco mais ser do que este homem
no meu corpo na minha roupa
pelas ruas da cidade das igrejas
ruas onde nunca passou Cristo
mais que Ele tenho eu ainda assim
isto.

III

Tenho necessidade de olhar com as mãos
o mundo que me sobrou do amor feito
por um homem e uma mulher
noutro século noutra casa noutro mundo
e a única coisa que peço às mãos é
que olhem fundo.

IV

Tenho do envelhecimento a segunda infância
cresci já tudo resta-me descer ao pátio da primeira
a colher do pessegueiro o terno fruto tenro
decerto que o comendo terei a sensação
de à boca me ter subido um coração.

V

Tenho dos teus ombros a imagem do candelabro
à espera desçam aves que venham ser velas
na minha noite espalhada por toda a casa
ambas as mãos te chego além deles além delas
e sinto a comoção tremer-te em cada asa.


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Canzoada Assaltante