05/11/2007

Fala o Rei Crisóstomo mais Dois Poemas

I. Fala o Rei Crisóstomo perante seu Filho Único, Príncipe, Jacente e Moribundo

Não serás, meu filho, o marinheiro
que histórias de ama te ensinaram a ansiar.
Incunábulo algum de cavalaria nenhuma
te susterá a dourado o nome adorado, pois que
até o nome perderás, adormecendo.
Mais do que a mim, às crianças vivas abandonas,
tuas contemporâneas rápidas – e súbditas tuas,
um dia já nunca.
Tão jovem, nem torrada melancolia apagarás
de algum incêndio teu em de uma mulher
o corpo e a alma e o leito – disso, porém,
não suspires, que mais queima tê-lo ardido
que por tal arder.
Ferros não cruzarás com sangue: nem de besta
infiel, nem de humano bárbaro – pelo que
outra guerra não levarás à morte
que a de tão pouco teres vivido.
Assim ainda, amado foste mais do que breve.
Tua Mãe gane pelos paços tua dela ferida
mortal, mas que nem ao de leve te assome dela
o cuidado, pois que dela, breve, longa
ânsia láctea voltarei a fecundar,
em teu lugar.



II. Agenda

Insondável cronologia, a dos milhafres
no céu do domingo: nunca domingo
para eles, sempre segunda-feira.



III. Na Sala de Espera

Estou há muitos anos sentado na sala de espera
do posto de saúde. Tenho há muitos anos
a mesma idade. A minha Mãe conversa para o lado
com outra Mãe. O quarentão filho da outra Mãe
tem a minha idade. Não conversamos um
com o outro. Não. Esperamos.
Esperamos que nos chamem.
Até hoje.
Até amanhã.



Caramulo, tarde de 4 de Novembro de 2007

1 comentário:

Anónimo disse...

Estou há muitos anos sentado na sala de espera
do posto de saúde. Tenho há muitos anos
a mesma idade. A minha Mãe conversa para o lado
com outra Mãe. O quarentão filho da outra Mãe
tem a minha idade. Não conversamos um
com o outro. Não. Esperamos.
Esperamos que nos chamem.
Até hoje.
Até amanhã.

ESPERAR É ESTAR AQUI. AMANHÃ E HOJE, TALVEZ JÁ. ATÉ HOJE. AMANHÃ SERÁ TARDE. ATÉ FUTURO.
A.LEITÃO

Canzoada Assaltante