13/09/2005

Uma Coisa Assim - Conversas Partidas de Café de Aldeia

(De secretário fiz a uma roda de homens que me não contrataram nem conhecem. Foi num café de aldeia. Era de noite.)
...


- As células, tázaver?
- Isso esmorece.
- O mais bonito é saber, na sexta-feira.
- Sábado, tinha um casamento.
- Mas a gente ser operado, a gente tinha de estar sempre em cima dele, com aquele ritmo cardíaco não é fácil.
- Ó Jorge, uma máquina de cortar cabelo.
- Julgas que ele não sabia que ele ia para ali?
- Se vier cá o meu primo, vais ver.
- E então.
- Devagarinho.
- Ó João, ao meio-dia.
- Vai mais uma rodada, eu não bebo mai'nada.
- Até logo.
- Anda lá, Espanhol.
- Paga metade que eu pago a outra metade.
- Dois e setenta.
- Ainda se dissesses qualquer coisa.
- Do momento que toca a família.
- Isso digo eu: mulher e filho.
- Não tem nada.
- O meu genro chegou com o carro com a luz nos mínimos, lá em cima.
- Portem-se bem.
- E eu também.
...

(Os senhores do café falam no café. Noite alta. Eu ouço e estenografo. Eu estou calado. Nada do que não digo se aproveitaria. A TV ladra cores altas. "Impensável", diz a TV. Vou tentar ouvir mais um pouco, só mais um pouco. Nem parece que se está só, é um exercício muito higiénico.)

- A minha mãe, descobriram-lhe uma infecção urinária.
- Como é que sabem?
- Aquilo não é nada.
- Mas já lhe descobriram mais alguma coisa?
- Se fosse só para o lado do bom, mas a gente só fica descansado no fim de descobrir.
- Agora antes de nascer já se descobre umas coisas.
- Não é como eu.
- Posso estar muito mal, mas espaços, mas espaços.
- Uma coisa assim.
- Então quanto é que se deve?
- Metade de dois e setenta é um e trinta e cinco.


Botulho, 23 de Agosto de 2005

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Canzoada Assaltante