141. ROSÁRIOS ÓSSEOS E PRETÉRITOS FUTUROS
Pombal, terça-feira, 4 de Janeiro de 2011
Não me parece ilícito supor que vós viveis horas a certas minhas homólogas: dedadas de cinza em rosários ósseos, ou algo assim, que mais bem me não ocorre dizer. Ainda hoje, um pouco antes da hora do comboio. Do tear celeste provinha uma fiação pluvial que impunha o seu, dela, respeito. Cinza, dedadas de poalha, o céu de Inverno esmigalhado em diamantes frios. Ao balcão de um bebedouro de homens, tasquinhava-se ossículos de frango, sorvia-se o cálice espirituoso, roía-se a broa cujo milho foi já filho de melhores dias. Voltou a acontecer-me: encontrei uma carteira de homem com documentos (naturalmente) pessoais. Entreguei-a num sítio de referência e confiança (a farmácia da vila onde me encontrava de/à passagem). No tal bebedouro, indaguei se conheciam o nome correspondente ao perdedor da carteira. Conheciam. Telefonaram-lhe, disseram-lhe que coiso & tal na farmácia etc. O homem veio. Um aposentado da CP. Agradeceu-me com toda a cortesia. Depois, um revisor (da CP também) contou-me histórias da revisora vida dele: perdidos & achados & devolvidos & agradecidos em comboios. A chuva, entretanto, redobrou músculos. Geral era o panorama de cristal: um ar-aquário de peixes respiratórios. E a vida passa-se nisto, nada, aliás, ilicitamente.
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Dizemo-nos coisas parecidas com o pretérito dos futuros: rodas (ou rosas) cosmogónicas que amassam (e afagam) as frases como os pedreiros que paredes criam no ar. Róseas crianças travessam suas, delas, tordesilhas plenipotenciárias. Há uma uni(di)versidade constante nas idas & vi(n)das. As pessoas passam, acontecem como clarões lentos, são animais brancos pela paisagem de chumbo. Tipo assim: isto agora era o Inverno em que te amei, quando alguém teu (vosso) vivia ainda, depois (mas antes, durante/s) o Verão exercia dele o magistério brutal, tantas vezes quantas vezes pueril, feroz porém sempre. Os bons anos volvem-se cartões panegíricos, avós esmaecem-se retratos-gatos, a alcateia económica tritura o ossobuco da esperança, não é fácil estar e ser vivo ao mesmo tempo.
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Quem dera ter sido vivo sem favor
na antemão futura cristalina.
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