17/03/2011

Ideário de Coimbra - 127

127. PERTO-E-AO-LADO-DE-MEDALHÕES-DE-LUZ

Pombal e Coimbra, sexta-feira, 3 de Dezembro de 2010

Ao lado, perto, medalhões de luz: caras masculinas. Os olhares vitrificados no televisor, as bocas dizendo futebóis, moscatéis. É pela sexta-feira, acabada a manhã. A manhã foi clara e frígida. Houve porém Sol por ela. Gosto de reviver esta luz de Dezembro matinal. Entre Coimbra e Pombal, hibernei com lucidez. Também o gelo lucilava pelos campos – e quando assim é, observo e tento fixar esses elementos fotogramáticos que me jubilam. É quase não precisar de viver, isto de olhar com lápis. Agora, a um balcão sossegado, entre homens que comem e vozeiam. Isto não é Paris-1900, é Pombal-2010. Como seja (como for, como é), a realidade eviscera-se em perpétuo baile trevas-auroras. Corpos jovens fervem electricidades progenitoras. Velhos seres rondam palácios que as er(v)as estiolam. Estes homens almoçando a sexta-feira mesma, às vezes os telemóveis tocam, eles atendem ou não, entra-se na tarde para o (c)ordeiro naufrágio do costume. Suponho (não: antecipo) já as brisas frias das cinco, cinco e meia, seis do entardenoitecer, lá, em Coimbra, onde a sombra que o dia deu à noite se une para ser una e única. E agora, Maria?
Eu respondo: agora, a monologante víscera pulsora de matérias, o coração, ou em vez dele o idioma, esta maneira de subir vermelhamente à cara, onde cada homem se faz cartaz de si mesmo: balcão que ladra e remorde. Essência. Progresso andarilho do ser que pára em circunstância, desejando talvez o Trocadéro onde só pode o Cardal, Montmartre por Agorreta & a Formiga volvendo-se Elíseos Campos. Não Nice, mas Pelariga. Não Cannes, mas Barrocal. Isto de vir a Pombal uma sexta-feira de Dezembro: este trânsito nem ínclito nem soez, pessoal apenas, apenas isto.
Aflúo à concatenação de temas volantes: Watergate, Caso Profumo, Sá-Carneiro/Camarate, Euro 2004/Portugal, Cinema Europeu, Novas Tecnologias: iPod, iPad etc., Timor 1999, Violência Doméstica, Sem-Abrigo, Crise Económico-Financeira 2010, Moda, Festivais de Música. E vou ser feliz entre caras, homens, casas derruídas por esses Campos do Mondego que perco e perco e não esqueço e não esqueço rumo a Oeste, onde os casais e os taludes e os gansos e as notícias que tornam no imediato pretérito o futuro. E olho as roupas dos homens sentados ao balcão (em Z, os corpos à direita; em S, os à esquerda): e vejo textilmente os cuidados ínfimos/íntimos das mulheres que (os) têm. Bombazinas, gangas, flanelas – e que vejo? –, sedas até. Também o pintor/pintado da construção civil é todo cor, mancha, borrão, dedada, cor, cor, cor.
Cor inaugura coração (a palavra). Cor-cara: cara-ção. Esta hora, estes homens brandamente recebendo a tarde que à noite se/os entregará. E eu aí, não sei se estás a ver.

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Canzoada Assaltante