Nem analogias nem refrigério
Há as mulheres sérias e as mulheres que levam os homens a sério.
Faço tal descoberta aparatosa e banal (e melancólica, já agora) numa destas noites em que nem sequer a proximidade da meia-noite desce o mercúrio dos trinta e tal graus. Anoto a coisa no caderno e tento valer-me dela para uma analogia com os políticos e os lacaios deles, isto é, nós. Não consigo a analogia. Teria de começar por algo como – “Há os políticos sérios…”. A coisa emperra aqui logo, pelo que me vejo constrangido a continuar a pensar em mulheres num café suburbano cuja ventoinha do tecto parece aumentar o calor em vez de amainá-lo.
A única mulher presente é a patroa do estabelecimento, que vos garanto pertencer à primeira classe da minha descoberta, não à segunda. O resto da sufocada população do tasco é um bombeiro de 80 e tal anos, um electricista que esteve mais de uma década no Luxemburgo e cometeu a patetice de voltar, um brasileiro de Pernambuco que pergunta a toda a gente se o Luxemburgo é muito longe e um cronista de um jornal de Santarém que não é O Mirante, é o outro, não me lembro agora do título. Não sei se todos são sérios, mas desconfio que já se não levam muito a sério a eles mesmos. E se calhar não é do calor de forno que lhes torna as bocas em ós de peixe fora de água.
Os desempregados do bairro (toda a gente, menos a dona do café) sentam-se no muro em frente da esplanada e olham para o bombeiro, para o ex-emigrante, para o pernambucano e para aquele que escreve para O Mirante ou lá como se chama a folha. Nenhum destes, porém, convida qualquer daqueles para uma mini mesmo sem tremoços, quanto mais caracóis. De vez em quando passa uma ambulância com uma grávida dentro a caminho de uma SCUT que ainda não seja preciso pagar. A grávida vai muito incomodada com o apelo à ética do dr. Mário Soares e com a má ideia de ter deixado que lhe fizessem um filho aqui, não no Luxemburgo.
E eu tento outra vez – “Há os políticos sérios…”. E não consigo. E o calor não dá tréguas nem esperança.
2 comentários:
Os "políticos sérios"... serão como as bruxas?
Serão. Com esta rima: ou filhos da puta ou do cabrão.
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