04/04/2009

Tenho decerto uma Pessoa e um Império

© Sandra Bernardo
Bairro Social S. João de Deus - 19
Pombal, manhã de 3 de Abril de 2009




Souto, Casa, manhã de 4 de Abril de 2009



O império pessoal atravessando lavouras sumptuosas.
Colector de dias, utente da tinta preta da noite para escrever
o império, a lavoura.
Nenhum assunto de preferência.
Assumpção completa da cabeça, de todas as cabeças
em que as pessoas são bustos incendiados.

Numa praça breve, auscultar o coração comedor
das pombas, a cosmogonia das últimas árvores,
dos santos dos últimos dias como nos primeiros.
Contar com isto: que a astronomia sempre começa
por baixo.

O ar de pessoas dos cães que atravessam os mármores,
as galerias comerciais, que cruzam os casais ociosos
dos sábados, aterrorizados por o futuro ser domingo.

Tenho decerto uma pessoa e um império.
Ausculto lavouras sumptuosamente.
Chávenas de café pontuam as folhas das mesas,
a vidraça faz de cidadela astronómica,
sinto a passagem
de Paulo, o dos vidros,
de Gualter, o dos cimentos,
de Teófilo, o das colas,
de Eduardo, o que dá explicações de química,
de Deolinda, que tem por ofício um filho doente,
de Graça, a morena,
de Idília, a do bazar,
de Clara Maria, a dos bonecos de barro encarnado.

Méxicos múltiplos jorram das mantas multicolores,
roupa a secar multiplica nações de segundo andar,
bandeiras humildes que não fazem a guerra,
ciganas secam o cabelo com uma graça de escuros cisnes

– e para a semana terá sido outra década,
noutro século imperial sem nós nem memória de nós.


Canzoada Assaltante