Pombal, tarde de 31 de Março de 2009
O meu amor sabe, como eu sei, a quanto vão
na praça o tremoço, a fava, a azeitona, a sardinha,
como eu sei ela sabe quão
de pessoa viciosa lábios parecem as costeletas
túmidas no mármore do talhante,
ciente é ela do meu amor por ela, ela
atenta por dentro ao instante de a nuvem
atravessar o sol para a cinzas reduzir o coração
passageiro na rua como no século, sabe-o ela
como eu o sei.
Tem a ciência o meu amor do meu amor por velhos versos
com gaivotas ondulatórias em menor redondilha
– asas escritoras / do verso do vento –,
a ciência e a paciência de ouvir-me garantindo-lhe,
quando à noite retoma Ítaca cansada
a minha Penélope trabalhadora,
a partida de Paris de Eça, caminho de Genebra com
a morte nas entranhas
a 28 de Julho de 1900, onde comeu com
inesperado apetite e de onde tomou carruagem
para Glion de Montreux, ante cujo lago
se achou prostrado e quási morto, estado
que veio a cumprir a meio da tarde,
eram as 16h35,
ante o parque que dos Orléans fora,
em Neuilly, França.
Torra, bem no sabe ela por eufonia
(que euforia, não), o crepúsculo roxuras
e laranjadas tintas na linha do amor,
digo, do mar,
que do nosso primeiro andar de três assoalhadas
se não vê com os olhos da cara, só os do coração
o verão,
no inverno
da nossa comum vida já outonal
– e vera e prima,
última nunca,
por enquanto.
II. Endechas sem Escravidão
Ibidem
Roxa rouquidão / de tinta serena
pequena de rosto / de face pequena
doce singular / de idioma breve
tal floco de neve / singular e doce.
A trouxe a ventura / de meu achamento
sem ela um momento / em outra achadura
tal é a vertigem / que ma trouxe aqui
bem fala por si / com prolongamento.
Human’ união / d’homem com mulher
que consigo vão / ’onde se quiser
dolorosa vi(d)a / de temp’ aumentada
quão maila sofrida / mailo bem passada.
Asas escritoras / do verso do vento
bento universo / de casais e casas
areias do mar / da terra areias
belas umas feias / mas todas com asas.
1 comentário:
Gosto destas "endechas".
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