APRENDIZAGEM e POSTAL
1
Aprendizagem
Aprendem no escuro as crianças as letras que dizem
manhã,
amanhã.
É o escuro de ontem que as ilumina nos quartos
cegos,
canções instituem-se memória sem que elas o saibam,
para já.
Na cozinha, a louça persiste na coruscação sobre
madeiras e acrílicos.
Os animais sublinham a zoologia imanente ao
amor.
Aviões impossíveis navegam o tecto dos quartos de
leitura.
Quando os ontens se acumulam como dívidas,
instaura a genitália sua ditadura mourisca,
corredora de não cristãs províncias:
o instinto, o despejo, o atroz albatroz comedor de
meninas.
Na cidade, brilham em vão as ourivesarias.
Salões fotográficos expõem alguma distracção da luz.
Histórias iguais percutem os nervos aos historiadores.
O rapaz grande ronda pastelarias fartas.
No cais fluvial, despejam robacos e bogas.
O vento vem verde-bolor sobre as estátuas
de uma História cagada pelas pombas.
Bailes-fátuos emanam sem som das coudelarias associativas.
Uma pessoa aprende a ler – e a vida põe-se a
milhas.
O sentido do dinheiro, a inteligência da viagem,
o descobrimento privado dos bosques públicos
– contra tudo funciona a autoritária demanda
de sinais.
Aprendem nos sinais as crianças o
escuro.
2
Postal
Certa deflagração do sol cadente
na tarde da janela pode comover
um homem experiente em
crepúsculos.
Cada pôr de cada coisa é,
por si mesmo,
o mesmo e o antigo e o de
amanhã.
Daí o postal turístico,
daí a comoção viciada
do coração:
comover é
como ver,
de novo,
antes.
Caramulo, tarde de 22 de Julho de 2007
2 comentários:
Daniel,
Passei cá por casa só para vos ver a todos. Boa noite, um abraço e até breve.
Manuel
És sempre bem-vindo, Manel.
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