22/07/2007

(V)Ida e Volta (ou Domingo de Santa Margarida)

(V)Ida e Volta (ou Domingo de Santa Margarida)

(É domingo de festa, dia da Senhora
que foi em vida Margarida e deveio Santa
.)

Uma vez na vida, a vila
tem gente. Velhos e crianças
borboleteiam entre árvores,
nunca longe da água fresca
e dos tabuleiros de doces.

Churrascos perfumam a devoção.
Homens conversam gravemente
ao balcão de tábuas: cerveja e
Poder Local. Há balões e farturas.

Os idosos do Lar em frente
ao recinto da festa pasmam
muito interessados na repetição
da memória e da Santa.

Os animais sem dono
festejam também. São hoje
mais públicos que nunca.
Dão-lhes ossos de frango.

A noite será de lâmpadas.
Música eléctrica adensa o ar.
Bebedeiras e motorizadas
são as vertigens possíveis.

A capela está bonita
como uma casinha de boneca só.
Rama verde torna-se pelo
chão cinzenta e humana.

Também as almas tomam
hélio para levitar.
Hoje, o tigre da montanha não
anoitecerá nas ruas vãs.

Uma recém-casada de
remunerado peitoral
entralha no corte mamário
um fio de ouro votivo.

Seu marido é pequenito
e rijo: veio de sapatilhas
mostrar a mulher e um
carrito novo de dois lugares.

Nem a vida parece
tão limítrofe quanto costuma.
Mel e pão novo creditam
a eternidade artesanal.

Dou por mim amando
sem pensar: esta gente,
estes gestos, esta agonia,
esta capela, este domingo.

Anos tornam-se arvoredos.
Trilhos de terra, calendários.
Passos sem corpo passam.
Vozes escutam vozes.

Não importa. Bonitos são
estes casacos de napa,
bonita é a esvoaçante chita
das raparigas soltas
e solteiras.

E bonito é que tão quão
nós sejam pobres os nossos
santos: ouro um dia,
frio todo o ano – e vento.

Bento domingo montanhoso.
Paisagem e despovoamento.
Toma-nos a noite por
ínvios mestrados lunares.

E fé e efemeridade.
E perpétua redenção.
Por perto, perpétuos,
dormem-nos os idos.

O mesmo domingo nos volta,
mudando nada a nosso
feérico patriotismo capelão.
Esperamos viver.

Rancho primeiro, depois
tuna cavaquinha. Tudo
no maior acordo
de acorde maior.

Uma tarde em jade
que há-de repetir-se
em nossa idade:
lembrar-se, ir-se.

(É domingo de festa, dia da Senhora
que foi Santa e depois Margarida
.)
Caramulo, texto e fotos da tarde de Santa Margarida, 22 de Julho de 2007









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Canzoada Assaltante