Logo à noite, como sempre de 2ª a 6ª, há Anoitecer ao Tom Dela na rádio Emissora das Beiras. Começa às 20h00, vai até à meia-noite. Na rubrica 1002 Noites, uma história mais.
Sintonias: 91.2 FM e, pela net, www.emissoradasbeiras.radios.pt. Bem-vindos.
Uma Pureza sem Homens
1
Esta manhã é de uma pureza sem homens nem mulheres, nem crianças nem animais. É de uma graça perturbadora. Podemos ter morrido – ou nunca ter nascido.
(JOAN MANUEL SERRAT))
2
Entre os frascos de medicamentos está o maço de tabaco. O sol que impera janela dentro filma o fumo. Aguentarei na cama o tempo do cigarro. Pego no copo e bebo o resto da água.
(RONDA DOS QUATRO CAMINHOS
1
Esta manhã é de uma pureza sem homens nem mulheres, nem crianças nem animais. É de uma graça perturbadora. Podemos ter morrido – ou nunca ter nascido.
(JOAN MANUEL SERRAT))
2
Entre os frascos de medicamentos está o maço de tabaco. O sol que impera janela dentro filma o fumo. Aguentarei na cama o tempo do cigarro. Pego no copo e bebo o resto da água.
(RONDA DOS QUATRO CAMINHOS
E COROS DO ALENTEJO
COM A ORQUESTRA SINFÓNICA DE CÓRDOBA)
3
Quando saio para ir tomar café à pastelaria, passo por dois rapazes com bicicletas. Levanto a mão para cumprimentá-los, mas é escusado: não me vêem porque, como eu, não existem. Só existe a manhã.
(JOSÉ AFONSO)
4
São várias totalidades: o sol imperial, a montanha diferente, o catálogo botânico, uma veia de água sustentando o parque. Há casas, há casas mas não têm portas nem janelas, nem paredes nem telhado. Eu sonho? Quem (ou o quê) me sonha?
(ART GARFUNKEL)
5
Ninguém na pastelaria. A porta está aberta. Entro. Chamo – mas não me sai voz. A televisão está ligada, emite uma imagem parada. Em primeiro plano, um lago congelado. Em moldura, abetos negros e magros como viúvas. Espero. Imagino-me escrevendo uma carta. Não tenho papel nem lápis. Faço com a mão vazia traços sobre a mesa vazia. Desenho o que não há: mulheres, animais.
(LÉO FERRÉ)
6
De noite, as casas renascem. Pulsam lume dentro. Os fantasmas cozinham. Aldeias esparsas diademam destinos iguais. O céu vem de baixo.
(CALIFORNIA GUITAR TRIO)
7
Depois surge o vento: como um antes eterno. Os abetos despegam-se da borda do lago, deitam-se no ar, a terra roda como uma moeda sem dono. E dentro do lago os peixes brilham um ouro quieto de ourivesaria.
(MILTON NASCIMENTO)
8
O que existo não difere, só o que penso. Já imaginei milhares de pessoas, nem uma vi. Esta pulsão transcende decerto o mínimo laivo de humanidade. Tem mais de pássaro – ou de veia de água.
(ELLA FITZGERALD)
9
Também é mais do que a vida. Não é a morte. Com a mão vazia desenho o vento. Os arbustos inclinam-se a esse dia inumerável. Encho de água o copo e deito-me. Os medicamentos já dormem.
(PAUL SIMON)
10
Dentes, viagens, hemisférios, versos, areia – desenho com a luz. Foram-se-me embora as mãos. Pessoas atravessam as paredes. A montanha recebe o sol na face. Quando não pedir, hei-de acordar – ou nascer.
(ROBIN MCKELLE)
3
Quando saio para ir tomar café à pastelaria, passo por dois rapazes com bicicletas. Levanto a mão para cumprimentá-los, mas é escusado: não me vêem porque, como eu, não existem. Só existe a manhã.
(JOSÉ AFONSO)
4
São várias totalidades: o sol imperial, a montanha diferente, o catálogo botânico, uma veia de água sustentando o parque. Há casas, há casas mas não têm portas nem janelas, nem paredes nem telhado. Eu sonho? Quem (ou o quê) me sonha?
(ART GARFUNKEL)
5
Ninguém na pastelaria. A porta está aberta. Entro. Chamo – mas não me sai voz. A televisão está ligada, emite uma imagem parada. Em primeiro plano, um lago congelado. Em moldura, abetos negros e magros como viúvas. Espero. Imagino-me escrevendo uma carta. Não tenho papel nem lápis. Faço com a mão vazia traços sobre a mesa vazia. Desenho o que não há: mulheres, animais.
(LÉO FERRÉ)
6
De noite, as casas renascem. Pulsam lume dentro. Os fantasmas cozinham. Aldeias esparsas diademam destinos iguais. O céu vem de baixo.
(CALIFORNIA GUITAR TRIO)
7
Depois surge o vento: como um antes eterno. Os abetos despegam-se da borda do lago, deitam-se no ar, a terra roda como uma moeda sem dono. E dentro do lago os peixes brilham um ouro quieto de ourivesaria.
(MILTON NASCIMENTO)
8
O que existo não difere, só o que penso. Já imaginei milhares de pessoas, nem uma vi. Esta pulsão transcende decerto o mínimo laivo de humanidade. Tem mais de pássaro – ou de veia de água.
(ELLA FITZGERALD)
9
Também é mais do que a vida. Não é a morte. Com a mão vazia desenho o vento. Os arbustos inclinam-se a esse dia inumerável. Encho de água o copo e deito-me. Os medicamentos já dormem.
(PAUL SIMON)
10
Dentes, viagens, hemisférios, versos, areia – desenho com a luz. Foram-se-me embora as mãos. Pessoas atravessam as paredes. A montanha recebe o sol na face. Quando não pedir, hei-de acordar – ou nascer.
(ROBIN MCKELLE)
Caramulo, manhã de 7 de Junho de 2007
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