01/02/2007

Prejuízos por Causa da Moral e Outras Discrepâncias

1

Não os pobres rendimentos mas os espíritos pobres
são capazes de me desassossegar o dia.
Que se compre quem à venda esteja por uns cobres,
nada me turva - dá-m' até cert' alegria.

Agora, não me corusquem de mel moral ou fel afim.
Cada um por si. Cá eu, por mim.



2

Gosto (sempre gostei) de fisdeputa.
Que é como quem diz (gostar),
de saber quem são.
Olha, aquele é 'ma tesa rica trampa.
Olha, aquele tem pasta e é cabrão.
(Mas, às vezes, ao espelho,
também me confundo:
sou eu da equipa, estando no mundo?)



3

Já não vou a tempo.
Foi praí uns dezasseis anos.
Dizia-me um imbecil encatedrado
que a poesia é
a expressão de sentimentos,
que a poesia é
o sentimento da vida.
Forte, rotunda, córnea besta.
Eu disse-lhe que não.
Disse-lhe
que a poesia é
conforme cada gajo,
conforme cada gaja.
Se fosse hoje, dir-lhe-ia
que a poesia não é
uma feitoria.
A poesia é,
para mim,
como o pára-brisas dos carros.
Ah pois é.
Se lhe caga em cima o pássaro,
foi expressivo o pássaro,
não o vidro.
O pára-brisas é para ver,
em andamento,
o próprio andamento.
Para ver.
Não para dar a ver.



4
(para a Sofia)

Tenho chegado à noite.
Tenho chegado.
Tenho.



5

Quando,
contra todas as expectativas,
chegarmos ao mar,
será de novo
que chegamos,
de novo
novos.



Caramulo, tarde de 30 de Janeiro de 2007

1 comentário:

Maria Carvalho disse...

Gostei de ler estes prejuízos e discrepâncias...

Canzoada Assaltante