Esta cama não é minha.
Minha não é esta cama.
Sou a virgo aqui sozinha.
Nunca mais me fazem dama.
(Olhar de cima-tecto; cama larga; duas mesinhas-de-cabeceira: uma inútil; rapariga alonga o braço direito fora da colcha; mão esquecida sobre o útero.)
Posso eu, se quiser,
arranjar qualquer amor.
É reguengo de mulher.
Assim mo disse o doutor.
(Quarto-chambre-cambra-câmara: deslocação do olhar para os pés da cama; deslocação rápida por baixo: um copo de plástico tombado, um lenço de papel amarfanhado, uma revista feminina partida como uma borboleta.)
Eu de dia, lá na caixa
do superminimercado,
só penso em meter baixa
e fugir p'ra qualquer lado.
(Entra aquela música dos violinos: uma qualquer que não dê para dançar; visão romântica: à janela, a cortina respira brisa; relance, quando a cortina sobe, do cedro e da lua.)
Deitada tenho 20 anos,
outr'idade dia afora.
Eu da sombra uso os panos.
Vou ligar a luz agora.
(Flash branco: tipo raio; trevas imediatas; a janela bate; cortina frapeja no exterior; chuva grossa; revista sob a cama folheia-se sozinha; o copo rola; o lenço foge; ela recolhe o braço para dentro; e termina:)
Amanhã, domingo, hei-d'ir
à capela da Agonia
deixar rosas a florir
trinta noites e um dia.
(Trevas definitivas.)
Caramulo, manhã de 6 de Julho de 2006
Sem comentários:
Enviar um comentário