Noite
Nas terras não conquistadas ainda pelos hipermercados colossais, a ternura comercial é ainda vigente.
Num café frequentado de manhã por dementes mansos de lares clínicos e à noite por mim, demoro-me a inventariar os bens expostos no mostrador do balcão de jornais: rebuçados peitorais, pilhas, dentífricos, cremes de barbear, lâminas, cola, lápis, esferográficas, lenços de papel, flores, tesouras para as unhas, postais, preservativos, cêdês, batatas fritas, camisolas, livros, atlas.
O meu coração derrama-se, perante o rol. Gosto de ver as coisas do manso comércio. Mas entretanto faz-se noite.
Manhã
Sobrevivi ao vento frio que descia da montanha anoitecida. Regressei de manhã para seguir inventariando o manso comércio. Tomei café noutro estabelecimento. Era numa zona a descer. A casa tinha lareira, jornais atrasados (como todos) e duas velhas que escorropichavam o cálice de porto matinal dos resignados. Um zéfiro fresco teletransportou-me ao local. Penetrei. Havia um poster da equipa local, um azulejo benfiquista, garrafas amortalhadas de resina e um bolor de eternidade que empalhava o cão adormecido aos pés da lareira sem lume. Prossegui aí a minha felicidade serôdia. O meu casaco preto de cabedal foi apreciado com respeito pelo motociclista que mamava martinis consecutivos ao cotovelo do balcão.
Eu regressarei sempre.
Nas terras não conquistadas ainda pelos hipermercados colossais, a ternura comercial é ainda vigente.
Num café frequentado de manhã por dementes mansos de lares clínicos e à noite por mim, demoro-me a inventariar os bens expostos no mostrador do balcão de jornais: rebuçados peitorais, pilhas, dentífricos, cremes de barbear, lâminas, cola, lápis, esferográficas, lenços de papel, flores, tesouras para as unhas, postais, preservativos, cêdês, batatas fritas, camisolas, livros, atlas.
O meu coração derrama-se, perante o rol. Gosto de ver as coisas do manso comércio. Mas entretanto faz-se noite.
Manhã
Sobrevivi ao vento frio que descia da montanha anoitecida. Regressei de manhã para seguir inventariando o manso comércio. Tomei café noutro estabelecimento. Era numa zona a descer. A casa tinha lareira, jornais atrasados (como todos) e duas velhas que escorropichavam o cálice de porto matinal dos resignados. Um zéfiro fresco teletransportou-me ao local. Penetrei. Havia um poster da equipa local, um azulejo benfiquista, garrafas amortalhadas de resina e um bolor de eternidade que empalhava o cão adormecido aos pés da lareira sem lume. Prossegui aí a minha felicidade serôdia. O meu casaco preto de cabedal foi apreciado com respeito pelo motociclista que mamava martinis consecutivos ao cotovelo do balcão.
Eu regressarei sempre.
Caramulo, noite de 4 e manhã de 5 de Maio de 2006
4 comentários:
jornais atrasados (como todos); brilhante, fez-me sorrir.
Estive ontem no Caramulo, onde nunca tinha estado. Estes textos dizem exactamente, dizem com palavras quero dizer, o ambiente que parece ter parado no tempo.
O Alexandre O'Neill chegou, por muito menos, ao prazer "oximorado" dos inventários. Fiquei sempre sem saber se ele chegou depois ou antes de ter partido.
Excelente retrato de uma zona lindíssima...
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