Só acredito na total e incondicional fusão da arte com a vida.
O verdadeiro artista é o que funde a sua arte com a sua vida.
Quando não, não é artista – é artesão.
Posto isto (que não é pouco: demora toda a vida), devo dizer que o texto de ontem (sobre o meu irmão Jorge) é uma coisa matinal: escrevi-o cedo no dia. Toda a lucidez me acompanhou. Também quero dizer que o texto “Consciência” (curto, grosso, malcriado) nasceu como resposta a determinados remoques e indirectas de que tenho sido alvo.
Não alinho (já não alinho, nunca mais alinho) em moralidades ocas de artesãos. Por mais hiper-correctazinha que seja a obra dessa gente. Por mais bem-comportadinha que seja a solipsista-umbilical escrita dessa gente tão cheia de sua mesma condescendência. Não alinho.
Cometi, eu sei, a asneira de convidar alguém para o lançamento coimbrão d’O Preço da Chuva. Nem resposta tive. Tenho-a agora: indirecta, remoqueira, trauliteira, pseudopaternalista. Bardamerda. Vou pela minha vida e pela minha arte. Não estou ao aluguer de gente “bem”. Nem a minha pessoa, nem a minha arte.
Pai, só tive um.
Mas há mais: escrevi dois livros, centenas de crónicas, milhares de poemas. Valem o que valem. Não tenho de justificar nada. O que não quero é a “vidinha” tão execrada pelo Alexandre O’Neill. Deus e o Diabo me livrem de não ser capaz de tentar. Todos os dias, há muitos anos: toda a vida.
Estou em paz com os meus mortos – também eu vou morrer, também eles viveram.
Não provoquei ninguém, não tratei mal ninguém. Esperar troco disso é vão: a invejazita desproporcionada pode encher paredes, mas não me coça um chato no saco testicular.
Referir a essa gente o binómio Maugham-Greene é perder tempo.
Ter paciência e estender a essa gente a esmola bibliográfica de Proust-Joyce, perder tempo é.
Um pintor (por exemplo, um pintor) ou é Van Gogh ou não é pintor: falo, naturalmente, da tal fusão vida-arte.
Tudo isto provém de uma aguda urgência de dignidade: como ensinar isto?
No Caramulo, há um café chamado “Marte”. Nem de propósito: Marte. É o café preferido de homens e mulheres arrecadados pelas famílias em lares de repouso pós-era dos sanatórios.
Dois desses homens, vejo-os todos os dias à mesma mesa da janela. Estão um com o outro. Não falam. Entre ambos, não há nem tabuleiro nem peças de xadrez. Mas eu acho-os xadrezistas. Como explicar isto a um artesão? Impossível.
Um gajo pode ser coxo, gago, paneleiro. Pode ser bêbado. Não pode é ser indigno. Acho eu.
Que a mão direita não saiba o que a esquerda dá. E vice-versa. Mas vão lá ter com o merceeiro explicar isso.
Convém sempre crescer. Ser melhor hoje que ontem.
Ontem, evoquei um morto meu. A propósito disso, a minha amiga Ana Sá contou-me que o povo finlandês tem por certo que “estamos vivos enquanto formos lembrados”. Nesse sentido, sem magias mediúnicas nem tolices quejandas, é natural que o meu irmão Jorge siga vivo.
Palavra de honra: estou-me a borrifar para atiradores furtivos, para a sua cobardia física e moral, para a sua mesquinhez escarninha e para as suas agendas telefónicas cheias de nomes de doutores.
Eu andei (confesso) na universidade: quero lá saber que sim. Recuso-me a ser coimbrinha: sou apenas uma pessoa.
Como apenas-pessoa, não estive sempre bem. Mas tentei-o sempre. Comigo e com os outros. Falhei. Lamento. Mas continuo vivo. E vou continuar (desculpa lá, pá) a escrever. Não vá o sapateiro além da chinela, nem vá o pintor muito acima dela.
No Caramulo, há um parque lindíssimo: voltarei ao parque, não ao assunto.
O verdadeiro artista é o que funde a sua arte com a sua vida.
Quando não, não é artista – é artesão.
Posto isto (que não é pouco: demora toda a vida), devo dizer que o texto de ontem (sobre o meu irmão Jorge) é uma coisa matinal: escrevi-o cedo no dia. Toda a lucidez me acompanhou. Também quero dizer que o texto “Consciência” (curto, grosso, malcriado) nasceu como resposta a determinados remoques e indirectas de que tenho sido alvo.
Não alinho (já não alinho, nunca mais alinho) em moralidades ocas de artesãos. Por mais hiper-correctazinha que seja a obra dessa gente. Por mais bem-comportadinha que seja a solipsista-umbilical escrita dessa gente tão cheia de sua mesma condescendência. Não alinho.
Cometi, eu sei, a asneira de convidar alguém para o lançamento coimbrão d’O Preço da Chuva. Nem resposta tive. Tenho-a agora: indirecta, remoqueira, trauliteira, pseudopaternalista. Bardamerda. Vou pela minha vida e pela minha arte. Não estou ao aluguer de gente “bem”. Nem a minha pessoa, nem a minha arte.
Pai, só tive um.
Mas há mais: escrevi dois livros, centenas de crónicas, milhares de poemas. Valem o que valem. Não tenho de justificar nada. O que não quero é a “vidinha” tão execrada pelo Alexandre O’Neill. Deus e o Diabo me livrem de não ser capaz de tentar. Todos os dias, há muitos anos: toda a vida.
Estou em paz com os meus mortos – também eu vou morrer, também eles viveram.
Não provoquei ninguém, não tratei mal ninguém. Esperar troco disso é vão: a invejazita desproporcionada pode encher paredes, mas não me coça um chato no saco testicular.
Referir a essa gente o binómio Maugham-Greene é perder tempo.
Ter paciência e estender a essa gente a esmola bibliográfica de Proust-Joyce, perder tempo é.
Um pintor (por exemplo, um pintor) ou é Van Gogh ou não é pintor: falo, naturalmente, da tal fusão vida-arte.
Tudo isto provém de uma aguda urgência de dignidade: como ensinar isto?
No Caramulo, há um café chamado “Marte”. Nem de propósito: Marte. É o café preferido de homens e mulheres arrecadados pelas famílias em lares de repouso pós-era dos sanatórios.
Dois desses homens, vejo-os todos os dias à mesma mesa da janela. Estão um com o outro. Não falam. Entre ambos, não há nem tabuleiro nem peças de xadrez. Mas eu acho-os xadrezistas. Como explicar isto a um artesão? Impossível.
Um gajo pode ser coxo, gago, paneleiro. Pode ser bêbado. Não pode é ser indigno. Acho eu.
Que a mão direita não saiba o que a esquerda dá. E vice-versa. Mas vão lá ter com o merceeiro explicar isso.
Convém sempre crescer. Ser melhor hoje que ontem.
Ontem, evoquei um morto meu. A propósito disso, a minha amiga Ana Sá contou-me que o povo finlandês tem por certo que “estamos vivos enquanto formos lembrados”. Nesse sentido, sem magias mediúnicas nem tolices quejandas, é natural que o meu irmão Jorge siga vivo.
Palavra de honra: estou-me a borrifar para atiradores furtivos, para a sua cobardia física e moral, para a sua mesquinhez escarninha e para as suas agendas telefónicas cheias de nomes de doutores.
Eu andei (confesso) na universidade: quero lá saber que sim. Recuso-me a ser coimbrinha: sou apenas uma pessoa.
Como apenas-pessoa, não estive sempre bem. Mas tentei-o sempre. Comigo e com os outros. Falhei. Lamento. Mas continuo vivo. E vou continuar (desculpa lá, pá) a escrever. Não vá o sapateiro além da chinela, nem vá o pintor muito acima dela.
No Caramulo, há um parque lindíssimo: voltarei ao parque, não ao assunto.
Caramulo, manhã de 24 de Maio de 2006
6 comentários:
Fantástico!!!
Sermos nós mesmos e despejar os detritos horrendos que nos saiem do anús em cima de toda essa malta que adora dizer que sabe tudo e se não sabe tem o telemóvel de alguêm que saiba.
Adorei o texto!
gracias, blue. o motivo do texto é triste: cortei um laço. mas o texto vale: é honesto. "quem não se sente, não é filho de boa gente".
e eu sou filho de boa gente. estava farto de marradas.
"No Caramulo, há um parque lindíssimo: voltarei ao parque, não ao assunto".
Na "blogosfera" há um blog lindíssimo: voltarei ao blog, e... gostei do assunto". Claro, estou muito por fora da coisa, mas é mesmo uma só a questão: ou fusão ou chinela. Como Proust ou como Joyce. Ah, e sorri muito com a beleza da escrita. Nunca varia... arre.
Um dia destes, e se valer a prna, indentifico o sorridente anónimo e o anónimo sorridente. Ou não...
espero por isso.
Sorri...sorri sempre!
Mesmo que o teu sorriso seja triste. porque, mais triste que um sorriso triste, é a tristeza de não saber sorrir.
Ass: Pasta Medicinal Couto
Sorri sempre... mas não. Por agora, sempre por agora, não.
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