© DA.
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Um qualquer mecanismo neurónico faz com que, ao despertar, esqueçamos os sonhos tidos na noite jacente & requietória. Ainda bem que assim é. Trata-se, não duvido, de uma autodefesa. Como toda a gente, recordo pouquíssimo de sortilégios oníricos.
Uma ex-namorada que, já ex-, se matrimoniava todos os dias (e pela igreja, não menos) com noivos diferentes;
Jesus Cristo num túnel verde-etéreo oferecendo-me o cálice;
O meu Cão Amarelo no Monte rindo-se qual criança;
Palavras do léxico jurídico pintadas na areia da Figueira da Foz: ius solis, ius sanguinis.
A minha Mãe, viva, absorta & morta.
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A pomba solitária hoje almoça.
Desgarrada de bando a encontrei.
Na Rua do Padrão, Coimbra-a-Moça.
Trazia eu muito pão, algum lhe dei.
Consola-me ver farta a avezinha.
Lauta-me ser dador panificante.
É como posso ser munificente.
E é iludir-me vida não-sozinha.
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[Miguel Torga & Manuel Alegre, perguntais?
Digo: homenagens a mais para obra(s) a menos.
A mediocridade sói ver-se & dar-se a carnavais
de consecuções que, sejamos francos, são de somenos.]
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Amo as minhas Brancas, o meu Sépia, o meu Amarelo.
Falo de Filhas como falo de Gato & de Cão.
Retiro da Beleza quão tão-só Belo.
O resto, dou-o ao desbarato d’alhei(r)a condição.
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Aparece-me, no todo verde vestida
(sem mangas & de bainhas pelos joelhos),
a loura-natural de olhos vermelhos,
Clementina (-que-luz) Queluz Guarida.
Ela é filha de ignotos parentes.
Ela nasceu p’ra mover as machas gentes.
Nem sempre o Sol é lindo – mas ela é:
mas é que a agarrou o Chico-Zé-É.
Chinelitas tão fáceis d’ouropel!
Pèzitos que o verniz ’inda não grita!
Hermínio acha-a propícia a Daniel
– só que disso se ri Delfim, cru & catita.
Toma bica-com-gelo-&-limão.
Esplend’ela seu seio anti-anarca.
Cada mamilo seu fura evasão
da seda da blusa (cara & de marca).
Pèzitos que sequer flocos de neve.
Valem dedando crus de luz sandálias.
Ancas que, tocadas só ao de leve,
incendiariam satã-parafernálias.
Namorou ela c’um oficin’-auto
chamado Rui Delartes Altorninha.
Não eram leitores de Poe, sequer de Plauto.
Eram o mor-casalinho-da-vidinha.
O problema (meu) é imaginá-la imagem
(em branco de louça a mais sanitária)
debruçando a natura una & vária
& lavando o rosto sem maquilhagem.
Que fortuna será, sem vestido verde?
Que unhas bem cortadas de que mãozitas?
Preferirá bidés? Ou então sanitas?
Que retrato a retrata & há-de ser de
mais perfeito rosto dentre bonitas?
Já pagou a bica, o bolo-de-arroz.
Ficam estas linhas escritas
por quem nunca nela ainda se pôs.
[Quão iníquo resulta verso ad/mirante
de pessoa bonita mas sem culpa
de bonita tão ser a versos (carago! adiante!)
que só-mirar ainda é desculpa.]
Vestida de verde qual um sonho traspassado a bosque,
é uma visão-tesão perdoável, não de mim que a busque.
Por ignorância (& falta d’agenda), não serei quem arrisque
prejudicar excepções, não serei eu, desde que.
Vestida-de-verde, mais branca no que ver deixa.
Se uma afinal, não se dá como em Condeixa
se despem tem as casadas tão cansadas de limpeza
por sessenta-&-tal-tostões – é-uma-casa-portuguesa?
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