© DA.
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Sol à bruta, fornalha
deprimente.
Seca severa a
ponto de extrema.
Sal no olhar,
espero óculos novos.
Sede de coisa
alternativa à vidinha.
Saibro incrustado
nas dobras do coração.
Trabalhar como
um galego, um mouro, um preto.
Serpentear por
entre canaviais ilusórios.
Temer pouco, tremer
muito.
Trânsito regular
nas vias-externas.
Agrura geral,
com sede nas tabernas.
Entretenho-me
fixando texto de costas no papel.
É um desporto
inócuo, incapaz de suster as marés.
Rarefacção de
ideias não suficientemente desesperadas.
Uma lassidão
invasiva, narcótica, entorpecente.
(Como se não bastara
já ser gente.)
Por aqui, dias-de-Rainha-Santa,
multidão de pequenos-nadas.
Estes meus
são anos crepusculares, dúvida nenhuma.
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Greve dos
motoristas ao serviço dos autocarros municipais.
Sol o mais
abrangente, temperatura de sufocação, escapatória nenhuma.
Maravilha perene
do arvoredo ainda não extinto pela tara dos dendroclastas.
Operários comprando
litros-&-meio de água gelada em bebedouros clássicos.
Hermínio trabalhará
das 16 às 24 horas: de corpo presente mas com a mente sita alhures.
Ainda um
pouco de matina por/para viver: mas em breve se extinguirão as tréguas.
O Irmão de H.
disse ontem três (talvez quatro) palavras: angústia de pré-acabamento.
Os moribundos
exalam/balbuciam vocábulos como as novíssimas crianças idem.
Ao serviço de
um salário efémero, H. apresenta produção, recolhe-se ao quarto como boi
exaurido.
Sob tílias, um
copo alto de cerveja frígida, leão pachorrento, sabedor do valor da indiferença.
Diz a senhora
Alcobia Manata Recinto Bruma ao senhor Tabor Breda Anjos Pata:
“Já não há quatro
estações, só um Verão de cinquenta semanas ao ano.”
O senhor
Tabor anúi/aquiesce/redargue:
“Deveras,
minha senhora. Infelizmente, minha senhora.”
Greve dos
motoristas
Etc.
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Com áspera
caligrafia retraço o meu dia
À solta
desandam meus lobos ao luar negro
Por cafés de
província pericardicamente derramei
A irretornável
mocidade, dela a poesia oclusa.
A buliçosa rosa
da mente não (se) desarma
Colho do
instante o silabário possível
As mercearias
funcionam, ele há sempre quem
Formigue à cata
de novidades-em-série.
Nada de isto
tudo é p’ra levar muit’ a sério
O siso estará
na jornada abrangente
No evitar
queimaduras & fingir-se (in)diferente.
Do tudo
concluo o nada costumeiro
E assim H.
(mas Daniel Abrunheiro):
Caligrafia &
rosa & siso & ficar silente.
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Pode uma
depressão-crónica pretextar tantas más-decisões (= escolhas) quantos maus-usos?
Pode. Pretextar, pode. Justificar, (talvez) não.
As novas-religiões
(LGBT, Veganismo, Danças-de-Salão-Pilates, Me-Too, BLM, Anti-Caucasianismo
& por-aí-além) constituem-se, como aliás as velhas que pretendem substituir/abolir,
meras manifestações do carneirismo atávico & mimético imanente a todos os
rebanhos de emulação.
Em vez de
algum promontório escalvado, uma colina arborizada.
Passagem de
rapariga nórdica rumando a Estação Velha (Coimbra-B): branca qual lírio puro, bonita
qual floco de neve resistente ao sol ímpio do meu País.
Penso no
poeta & polígrafo Jaime Baeta Rosa Mont’Alverne, natural de Montemor (não
sei se -o-Velho, se -o-Novo). Datas dele: 1914-1980: as exactas mesmas de meu
paterTio Alberto dos Santos Abrunheiro. Ele lia-me manuscritos, rapidamente
tomados pela tosse. Eu ado(l)e(s)cia então. Muito do que depois vim (&
venho) a escrever, Dom Jaime, é devedor de tal lembrança pensada. Ou forjada.
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A tristeza é
qual o beber-se leite que não seja o da Mãe.
Digo isto ro(n)dando
sem mota (n)o poço-da-morte.
Ao azar-vulgo-acaso
abro mãos/rosas à sorte.
A mais branca
mulher escolhe outro-alguém.
As quatro proposições
acima lineadas
(cor)respondem,
lapidares, ao meu momento.
São elas
urdume de meu pensa’sen’timento.
E são críveis
q.b., tidas & pensadas. (Ou forjadas.)
Jantei ontem
às escuras num parque-verde.
Dera-me o repasto
certa Cunhada que tenho.
Tinha alguma
fome, mas nenhuma sede.
E não tinha
luz para escrever no canhenho.
Canções que
docemente doíam na remo(r)ta infância.
Melopeias do
Pai , ciciando assobios.
Não ter sido
marinheiro, ou sequer guarda-rios.
Sentir mui de
perto que tudo é de distância.
O Crematório
não obsta aos fantasmas morivivos.
Vale sobre-o-mais
ser certo o esquecimento.
Cinzas, os
cabisbaixos; cinzas, os altivos.
Sei (d)esta ciência a tod’&qualquer momento.
Antes da erupção,
a família em Pompeia.
Antes da dita,
a família em Erculano.
A brisa suavíssima,
do Pai a melopeia.
E o dulcíssimo
porvir, manhoso de engano.
Uma coisa é
povo; bem outra, populaça.
Uma coisa, ser
clã; outra, clientela.
A minha flor
favorita é a ros’amarela.
(E ele há
versos em que eu não faço trapaça).
Pretextando lutos
(de família & de amigos),
avinhei-me à
bruta como auto-castigos.
Abandonei ofícios,
sempiternei perdas.
(E estou confessando
umas meras merdas.)
Revivo o meu Velho
sempre que sou educado.
Revive ele-em-mim
a cada cortesia.
Tratam-me por
“Senhor Daniel”? Ganho logo o dia.
Julgo que ele
me vive, qual nado-trocado.
Fala-me depois
da tormenta, deixa respirar o vinho.
Cálida paz nos
aguenta & não me deixa sozinho.
Queiras abrir
em brancura esses teus lençóis lavados.
Negues não
mais a brandura de nós ambos liados.
Tantos anos,
c’um caraças, tantos idos/perdidos anos!
Semelham eles
a vastidão amétrica dos oceanos.
Obsolescem nos
asilos os seres-idos, mutilados.
Foto tipo-passe
no jornal: ei-los já obliterados.
Cantam entretanto
as aves irremediáveis, naves hábeis.
Sinto-as folheando
árvores, libérrimas, inexpugnáveis.
São a mais franca minha alegria, ó Rosa Maria.
São quão de
festa me resta, ó Teresa Sofia.
Estas estrofes
pró-delfínicas visam apenas olvido.
Socorre-as
muito o déjà-vu, digo, o já-vivido.
À uma-da-tarde,
porém, sem gaze de clemência,
o Sol já explodiu,
pleno de intransigência.
Senhoras da
claridade, vi-as mui, em menino, passando.
Pareciam-me o
que eram: flora bípede a mais grácil.
Hoje velho, não
cedo à tentação do ilusoriamente fácil.
Faço antes
assim: ve(ser)jo muito, só se possível rimando.
Havia empréstimo
de livros naquele parque-jardim.
Ao cabo do
escorrega, eu folheava páginas sem-fim.
Talvez 1970
já grande coisa V. não diga.
Mas olhai que
eu era feliz, era então outra a cantiga.
(...)
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