19/09/2022

H. EM BUSCA DELFIM - 117

© DA., Sr.




117

 

DOIS QUARTETOS

 

I

 

Sento-me não longe de um homem entristurado.

Já o ouvi suspira’geme’ndo, em surdina embora.

Não me é dado saber o que o desapazigua.

Talvez espere um telefonema, um médico, uma saída.

Nada lhe perguntarei: não é meu direito.

É meu direito escrever: mas saber, não.

 

A decência & a solidão dele são geminadas.

Como acontece com a pomba & à sombra da pomba.

No calor mais infame, na mais árida praia.

Como o prostiputedo bebendo whisky-de-sacavém.

Vestido de azul-escuro (deveras assaz escuro).

Mochila pequena, nadíssimos pertences.

 

Orelhas tisnadas a ruivo, rosto pergaminhado.

(De que caligrafia será ele condutor?)

Mãos formosas: de talvez cuidador de rosas.

Está sentado à face do meio-dia.

(Refiro-me a um qualquer meio-dia da efémera eternidade.)

E eu não longe dele, espelhando-o talvez.

 

Ele toma um quartilho de água-mineral.

Fuma uma cigarrilha mentolada, éter-aérea.

Turistas demandam as praças-de-postal.

Avermelhados do nosso Sol, este nosso tão mortífero.

Ele recompõe-se um pouco, sorri às pombas.

Ele recompõe-se um pouco, sorri às sombras.

 

II

 

“Já hoje descarreguei muita sucata, chega bem.

À tarde, é no sofá, já arremedeia.”

Assim fala, se não Zaratustra (quem?),

um cavalheiro andrajoso de túnica cor-de-aveia.

 

Por quatro moedas, adquiro uma paz algo eficaz.

Às quatro-da-tarde, laboro em sacrifício.

Por mais moedas, é por enquanto o meu ofício.

Outra al-coisa virá, meu velho & bom rapaz.

 

Prepara-se a Urbe semilaica para a Santa Rainha

de Coimbra, de Aragão, de Portugal & tudo.

O da sucata é de tez rubicunda & sobrecenho telhudo.

E eu durmo à noite em cama a mais sozinha.

 

O Silva encerra agora para almoçar.

Esperam-no feijões, toucinho, broa & vinho.

Retornará, qual Santa Rainha, a seu mesmo lar.

Tem mulher em casa, não existe sozinho.



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Canzoada Assaltante