INTERVALO
Leiria, 3/II/2013, domingo
1
Em banco de pau ao sol pactua-se bem com o fresco da manhã fria. Pouco
demora a hora (ora mais, que envelhecer é o principal dos meus trabalhos). As
manhãs são o içar do prumo, que o meio-dia nivela, a tarde desfralda e a noite
guarda na caixa. A obra é testemunho e testamento. A minha, também. Grandes
viaturas de passageiros (mas quem não é passageiro?) estateladas ao sol no
parque largo: como se caídas de uma rodoviária sideral. Uma pouca de terra
estendida ao azul, pingado já o sincelo. E no pátio ao lado da taberna, a
feminil laranjeira, noiva de ninguém.
2
Tudo o que me resta do passado é o próprio corpo.
Com ele escrevo intentando não ser, tão-só, corpo tão só – sem nem
passado, quanto mais presente.,
3
O trabalho fosse varrer praias no Inverno. É como estou na Língua – e
o que faço nela. Há muito não tenho um cão. Comigo, é o dicionário que ora anda
pelas ruas. Ele me late seu latim, que em Português lambo e aproveito. Nisto,
foge-me o cão prai’afora: e eu sem saber com que letra chamá-lo.
4
O paradoxo é a disfunção eréctil crescer tanto.
5
Tenho ainda alguns dias, talvez anos.
Penso isto ao sol, entre gente que não conta o Tempo, mas que o Tempo
desconta.
O Tempo numerado, enumerável – mas inumerável.
É a maior vocação que me conheço, esse Sacana.
6
Tanto julgo não ter sido mau jovem,
quanto espero não ser apenas um bom velho.
7
Parece que um gajo me disse assim da minha terra:
– Pá, a Pedrulha não é
Coimbra.
Eu não tinha dito que era. Eu tinha dito que era em.
Respondi-lhe com justo vinagre que:
– Ó meco, ao contrário de ti, a
Pedrulha sempre é a norte de alguma coisa.
Foi como tê-lo mandado ir cagar a sul de nenhures, que nunca mais o
vi.
8
(A verdade é que há muita coisa e muito alguém que nunca mais vi.)
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